O FRUTO E A VIDEIRA: ENSAIO INACABADO SOBRE A EXEGESE, SEMIOLOGIA E TEOLOGIA DE JO 15 - ESDRAS COSTA BENTHO TEÓLOGO, BACHAREL E LICENCIADO EM TEOLOGIA COM ESPECIALIZAÇÃO EM HERMENÊUTICA; GRADUADO EM PEDAGOGIA (EDUCAÇÃO INFANTIL, ENSINO FUNDAMENTAL E FORMAÇÃO DE PROFESSORES), E ESCRITOR. ATUALMENTE CONCLUINDO O MESTRADO EM TEOLOGIA PELA PUC, RJ, ATUA COMO PROFESSOR NA FAECAD, RJ, TRABALHA COMO EDITOR DE BÍBLIAS E REVISOR SÊNIOR PARA EDITORAS CRISTÃS. É AUTOR DOS LIVROS “A FAMÍLIA NO ANTIGO TESTAMENTO – HISTÓRIA E SOCIOLOGIA” E “HERMENÊUTICA FÁCIL E DESCOMPLICADA”, E CO-AUTOR DE “DAVI: AS VITÓRIAS E DERROTAS DE UM HOMEM DE DEUS”, TODOS TÍTULOS DA CPAD
O termo fruto usado nas páginas do Novo Testamento é a tradução do original karpos, que tanto pode significar “o fruto”, quanto “dar fruto”, “frutificar” ou ser “frutífero” (Mt 12.33; 13.23; At 14.17). A palavra é usada em sentido figurado para indicar a produção ou o resultado de algo. A qualidade da coisa produzida aponta para as virtudes, a ineficácia, e ao caráter do elemento gerador (Gn 1.12; Mt 7.17,18). Deste modo é que se refere ao produto da terra, do ventre e dos animais (Dt 28.11); do caráter do justo (Sl 1.30; Pv 11.30); da índole do ímpio e das atitudes dos homens (Pv 1.29-32; Jr 32.19); da mentira (Os 10.13); da santificação (Rm 6.22); da justiça (Fp 1.11) e do arrependimento entre outros (Lc 3.8).
Por conseguinte, a árvore produz fruto segundo a sua espécie (Gn 1.11). Espécie, no original mîm, designa “especificação” ou “ordem”, por esta razão a árvore boa não gera fruto mau, e a má, fruto bom (Mt 7.16-20). Portanto, é de se esperar que da natureza regenerada do crente, pelo Espírito Santo que nele habita, origine-se fruto que dignifique e espelhe o caráter moral de Cristo.
A Videira em João 15
A ilustração bíblica está condicionada ao contexto do símbolo hebraico que concebia o homem como árvore (Jz 9.7-15; Sl 1.3); Israel como vinha (Is 5.1-7; Jr 2.21; Os 10.1); e Cristo como a Videira (Jo 15). Tais elementos, conforme o contexto, são interpretados como símbolos, alegorias, metáforas e até mesmo tipos. Embora participem do mesmo campo semiológico, esses elementos literários distinguem-se.
O símbolo, por exemplo, seu significado está à parte do seu campo semântico literal, ultrapassando-o a fim de representar um conceito abstrato (a cruz é tanto símbolo de vida como de morte). A alegoria, por outro lado, como já definimos em nossa obra Hermenêutica Fácil e Descomplicada (CPAD), é uma sucessão de metáforas em que cada uma delas acrescenta um novo elemento para formar um quadro mais abrangente da mensagem (a videira e os ramos, por exemplo). Cada metáfora da alegoria transmite um significado que completa a estrutura e mensagem da analogia anterior. Já o tipo, mais enigmático do que epigramático, lida com o significado e cumprimentos análogo e profético (Melquisedeque e Cristo, por exemplo).
Facilmente é percebido que há uma estreita relação entre as palavras e as coisas por elas nomeadas. Assim, a linguagem denotativa refere-se às coisas como são, enquanto a conotativa às coisas como se relacionam com a realidade; como se compreendem em uma relação palavra-objeto-mensagem. Enquanto a denotação percorre os corredores da exatidão, do unívoco; a conotação nega toda literalidade, e percorre os corredores do equívoco. Pietroforte afirma que
Quando dois ou mais significados são comparados em torno de uma relação de similaridade, o sentido denotado é negado e caminha para sua difusão em outros sentidos, gerando, assim, conotações. A figura de palavra que traduz esse efeito é chamada comparação. [1]
Consequentemente, o símbolo, a alegoria, a metáfora e o tipo negam o sentido verbal, histórico e imediato e afirmam a polissemia, nas palavras de Pietroforte, “afirma-se sua difusão em outros sentidos”; [2] que, na semiologia peirceana, chamaríamos de critério de interpretância.
Na Alegoria da Videira (Jo 15), a verdade reside nas ligações de representações em vez de nas representações isoladas. É necessário compreender uma metáfora (ramos, por exemplo) em sua relação com outra metáfora, em vez de isoladamente (videira, agricultor). Aristóteles (Da Interpretação) denomina essa relação de συμπλοκή (symplokē), que, na concepção heideggeriana, significa “o entrelaçamento, o entretecimento de duas ideias ou de dois conceitos”. [3]
No critério de interpretância, o conteúdo interpretado permite que o leitor vá além do signo originário. O interpretante, entendido como um signo, figura ou oração que traduz uma expressão anterior, além de retraduzir o sentido verbal, alarga a sua compreensão. Umberto Eco afirma que para Peirce um termo é uma “proposição rudimentar” e que uma proposição é uma “rudimentar argumentação”. [4]
Assim sendo, a Alegoria da Videira no capítulo 15 do Evangelho de João é uma das imagens sacras mais contundentes sobre o relacionamento e intimidade de Jesus com os seus discípulos. Esta pérola poética não é superada nem mesmo pela oração sacerdotal do capítulo dezessete, mas complementada e sumariada no versículo 23: “Eu neles, e tu em mim, para que eles sejam perfeitos em unidade”.
Na figura da videira, o Pai é o cultivador que zela pela frutificação do ramo, mas somente na intercessão de Cristo é que entendemos o cuidado do viticultor célico – o poder gerador, criador, frutificador do Deus Todo-Poderoso é comunicado ao crente que está unido e permanece em Cristo, portanto, inadmissível a um ramo permanecer sem produzir o devido fruto.
O capítulo quinze ressalta a função de cada um dos elementos da alegoria: o agricultor, a videira e os ramos – mas no dezessete, os três estão unidos e, mesmo que se resguarde a individualidade das duas pessoas divinas (Eu e Tu), são apenas um com os ramos. O apóstolo dos gentios foi um dos discípulos de Cristo que experimentou e confessou a excelência de se ter o poder eficaz de Deus sendo comunicado através de sua comunhão e permanência em Cristo: “Para isto também trabalho, combatendo segundo a sua eficácia [operação], que opera em mim poderosamente [dynamis]” (Cl 1.29; 1 Co 12.6). A glória pelo fruto gerado não pertence ao sarmento, mas ao vivificador que comunica vitalidade ao ramo, para que este produza de acordo com o poder que lhe é comunicado.
Esdras Costa Bentho
Mestre e doutorando em Teologia pela PUC, RJ.