Todos os valores da religião judaica
— e não são pequenos — foram retomados e realçados em Cristo. A Páscoa dos
Judeus era sua festa de libertação, lembrando-lhes que Deus os havia libertado
da sua opressão no Egito. Deus, pela ressurreição, poderosamente manifestou
Jesus como seu filho, e fez da Páscoa o símbolo da libertação universal. O
Pentecoste, sete semanas após, lembrava aos Judeus que Deus estabelecera com
eles uma aliança e havia lhes dado a sua Lei. Ex 20.2 sugere a ligação íntima
entre os dois eventos. O Pentecoste Cristão, assinalado pela manifestação do
Espírito de Deus, foi a renovação da aliança entre Deus e seu novo povo, não
mais apenas de Judeus, mas "de todas as nações que estão debaixo do
céu" (At 2.5) e no meio do qual não só filhos como filhas profetizam
(proclamam) e a idade cronológica não constitui mais uma camisa de força, pois
nele "os jovens terão visões" e os "velhos terão sonhos"
(At 2.17). A narrativa do acontecimento ocupa um capítulo inteiro no livro de
Atos (At 2147), incluindo a pregação de Pedro, que constitui sua explicação e
"aplicação" do evento. Que é o sentido duradouro de Pentecoste? Certamente
alguns elementos ou fatores desse sentido são os que seguem: 1) O povo de Jesus
não seria limitado pelas mesmas restrições dos Judeus. Seria aberto a todos que
seriamente se dispunham a ser povo de Jesus. Isto não significava,
evidentemente, que de repente tornara-se fácil ser discípulo de Jesus! O mês mo
Jesus que havia advertido: "as raposas têm covis e as aves têm ninhos, mas
o filho do homem não tem onde reclinar a cabeça" (Mt 8.20) também havia
declarado: "se alguém quiser vir após mim, renuncie-se a si mesmo, tome
sobre si a sua cruz, e siga-me" (Mt 16.24). A dura realidade disso logo
apareceria na forma de perseguição, prisão e até morte dos discípulos do
crucificado. Significava, sim, que um centurião romano Cornélio, "temente
a Deus", não seria barrado por causa da sua raça e nacionalidade (At 10).
Significava que um etíope não seria excluído por causa da cor da sua pele (At
8). Significava que as mesmas atitudes de Jesus — que aceitava livremente as
expressões de amor e devoção de mulheres (Lc 7.36-50), que discutia teologia
com elas e ouvia delas as mais sublimes afirmações (Jo 11.27) e que aceitava
alegremente a colaboração de discípulas, as quais não apenas o serviam na
Galiléia, como o acompanharam mais de perto que os discípulos (homens) na sua
Paixão (Mt 27.55-61) e a quem ele primeiro se manifestou após a ressurreição
(Mt 28.9; Mc 16.9; Jo 20.16), haveriam de ser determinantes na Igreja. Os preconceitos
não seriam mais fáceis de serem vencidos naquele tempo do que no nosso! Pedro
só iria compartilhar as boas novas com o gentio Cornélio depois de uma
revelação de Deus; só assim ele poderia dizer: "Reconheço por verdade que
Deus não faz acepção de pessoas, mas que lhe é agradável aquele que, em
qualquer nação, o teme e obra o que é justo" (At 10.34, 35). Paulo custou
muito até reconhecer que todos são um em Cristo; daí, entre seu povo "não
há nem judeu, nem grego, não há servo nem livre, não há macho nem fêmea"
(Gl 3.28). Mas quando percebeu esta verdade, o ministério (serviço) de mulheres
floresceu nas Igrejas de Paulo (como a Epístola aos Romanos, capítulo 16,
abundantemente demonstra). Entre nove colaboradores de Paulo mencionados
especificamente, uma (Júnia) ele destaca como apóstola (Rm 16.7). E a Igreja
hoje parece relutar em aceitar as conseqüências óbvias do cumprimento da
profecia de Joel (Jl 2.28-29) — que o ministério de proclamação é compartilhado
por homens e mulheres indistintamente! 2) O povo de Jesus não seria privado de
sua presença, da sua orientação e de seu poder. Aliás, Jesus havia prometido
exatamente isto a seus discípulos ainda em vida. Isto é o sentido da chamada
"Grande Comissão" de (Mt 28). Esta Comissão ou ordem é, antes de ordem,
uma recitação e promessa: "É me dado todo o poder no céu e na terra. Eis
que estou convosco todos os dias". É nesse contexto de declaração e
promessa que Jesus ordena o "ide". Este é o sentido do
"portanto". É paralelo a Êxodo 20 (Dt 5) onde, antes de ordenar
"Não terás outros deuses diante de mim", Deus lembra ao povo que ele
havia tirado Israel da escravidão no Egito. Portanto, "Não tereis outros
deuses". Parece-me que é isto que Lucas está dizendo em Atos capítulo 1 e
versículo 1, onde diz. "Fiz o primeiro tratado, ó Teófilo, acerca de tudo
que Jesus começou, não só a fazer, mas a ensinar." Lucas sugere que o
segundo volume de sua obra, o livro de Atos (o primeiro volume, naturalmente é
o Evangelho de Lucas), vai contar o que Jesus continuou a fazer entre o seu
povo após sua morte, ressurreição e ascensão. Isto, porém, ele fará por meio do
Espírito que fará dos discípulos de Jesus suas testemunhas e apóstolos (Atos
1.8). Jesus havia deixado claro que ele não abandonaria seu povo: "Não vos
deixarei órfãos; voltarei para vós (Jo 14.18). "Rogarei ao Pai e ele vos
dará outro consolador, para que fique convosco para sempre" (Jo 14.16). Uma
das evidências de mais importância desta presença de Jesus se encontra no seu
acompanhamento e orientação da Igreja. Ora, é o "anjo do Senhor" que
ordena Felipe caminhar pelo caminho que descia de Jerusalém a Gaza e o Espírito
que lhe diz a ajuntar-se ao carro do mordomo-mor da rainha da Etiópia,
resultando na conversão do homem e, quiçá, por ele, na evangelização dos etíopes!
Ora, é a nação do Espírito que de tal forma dirige Paulo e Lucas que levem o
Evangelho à Europa. Estilizando, simplificando o trajeto, o que aconteceu pode
ser visto neste mapa: Leia com cuidado os versículos de 6 a 10 do capítulo 16
de Atos, e verifique o trajeto dos missionários no mapa estilizado no seu
livreto. Que exemplo extraordinário de jogo divino/humano que finalmente levou
Paulo e seus companheiros à Europa! 3) A presença de Jesus no meio do seu povo
se expressou na qualidade da sua vida comunitária. Há um quadro desta vida,
idealizada, sem dúvida, em Atos (2.42-47). Os elementos mais marcantes desta
são resumidos no versículo 42: a) A
doutrina dos apóstolos* que, sem sombra de dúvida, se refere à profecia
messiânica, a morte, sepultamento, ressurreição e os encontros do Cristo
redivivo com seu povo (cf. At 2.16-36, I Co. 15.1-10). b) Uma tal solidariedade que "os que
criam estavam juntos, e tinham tudo em comum", de modo que ninguém passava
necessidade. c) O partir do pão era uma
prática comunitária com duas dimensões importantes, alimentação e culto. Pois
consistia de uma refeição (real, não simbólica) em que todos, ricos e pobres,
se alimentavam, sem distinção. Mas era uma ceia presidida pelo Senhor Jesus
ressurreto, em grata memória pela sua morte sacrificial e em expectativa de sua
volta gloriosa e definitiva. d) E
oração. O povo de Jesus era (e é) um povo de oração. A riqueza desta vida de
oração no período apostólico é impressionante. "Perseveravam unânimes
todos os dias no templo" (At 2.46; 3.1). A Didaquê, no capítulo 8,
instruiu o catecúmeno da necessidade de orar o Pai Nosso, pelo menos 3 vezes ao
dia. Paulo desafiou os Cristãos de Tessalônica a manter uma comunhão
ininterrupta com o Pai, exortando-os a "orar sem cessar" (I Ts. 5.17).
Assim também o Espírito de Jesus, cuja intimidade com Deus lhe permitia
chamar-lhe de Aba (Papai), permeava a vida do seu povo. 4) Um outro aspecto não
pode deixar de ser destacado, a saber: a questão da unidade. Dificilmente esta
ênfase pode deixar de ser vista numa leitura cuidadosa do cap. 2 de Atos. Sem
nos preocupar demasiadamente com os detalhes desta experiência única, uma
leitura cuidadosa nos deixa com certas impressões indeléveis. Foi quando a
totalidade da comunidade — homem e mulheres — se encontrava unida, que a
promessa de Jesus foi cumprida (cf. At 1.8). Todos foram atingidos e todos
passaram a participar de uma comunidade de testemunho — não mais só "os
onze" — mas todos e cada um. Também todos testemunharam eficazmente
"das grandezas de Deus" à multidão ali reunida (versículo 11). Em
resumo, foi uma experiência comunitária da qual todos participaram. Já vimos no
terceiro ponto como o Pentecoste resultou numa comunidade unida de amor,
solidariedade e adoração, quebrando as antigas barreiras de raça, sexo e
classe. Ê este mesmo Espírito de Cristo que busca a unidade do Povo de Deus e
ainda a unidade da raça humana. Este é o desafio do Pentecoste para o Cristo de
hoje.
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