ESTADÃO: MAIS ROUBO EVANGÉLICO: AGORA NA IGREJA RENASCER EM CRISTO
Desvio de doações de fiéis provoca guerra santa na Renascer em Cristo
Igreja expulsa a vereadora Bispa Lenice, manda seis outros bispos para
"tratamento" - e se prepara para o revide REPORTER: Angélica Santa
Cruz Foi com ar consternado que o Apóstolo Estevam Hernandes Filho - fundador
da Igreja Renascer em Cristo - deu a notícia aos fiéis aglomerados no galpão da
Barra Funda onde todo primeiro sábado do mês acontece o culto "Ceia de
Oficiais do Espaço Renascer". Diante de uma platéia curiosíssima,
Hernandes anunciou, na manhã de 6 de maio, que estavam acontecendo coisas
"erradas" e "ilícitas" na igreja. Disse que alguns bispos
comandavam as "ações do mal". Explicou que os culpados que admitiram
a falta foram despachados para "tratamento". E finalizou lamentando
que só uma pessoa se recusou a receber o "perdão" e, por isso, foi
expulsa da igreja. Trata-se da Bispa Lenice Lemos São Bernardo, integrante da
lista dos 18 vereadores mais bem votados de São Paulo - eleita com 45.295 votos
de fiéis da Renascer. Começou ali o maior barraco público dos 25 anos de
existência da segunda maior denominação neopentecostal do país. Pegos com as
mãos na cumbuca de doações feitas pelos fiéis da igreja, seis bispos e uma
pastora foram encaminhados para o tratamento oferecido pela igreja. A
desintoxicação anti-corrupção inventada pela Renascer consiste em tomar como
base o livro de Neemias - que prega a restauração das almas -, na leitura
aplicada de um punhado de salmos e em "ser ministrado", o que
significa perder títulos ou ser rebaixado de função, entregar o controle de
igrejas e voltar para o fim da fila na carreira - ou seja, assistir aos cultos
como simples fiéis. No jargão da igreja, usado para informar a perda de
poderes, os bispos "foram para o banco". A Bispa Lenice, informa a
Renascer, saiu porque se recusou a passar pela cura moral. "A posição da
igreja é uma visão de amor, de nunca excluir ninguém. Tentamos falar com ela,
oferecer tratamento e perdão. Ela não quis", disse o apóstolo Hernandes ao
Estado, por meio de sua assessoria. Por não querer receber o perdão - e por
tabela perder o cargo de responsável financeira pelo templo "sede
internacional da igreja", na Vila Mariana -, a vereadora embarcou em uma
guerra santa. Foi convidada a se retirar e levou junto o marido, o Bispo
Gilberto São Bernardo. O departamento jurídico da igreja pediu abertura de
inquérito policial contra a bispa na 1ª Seccional de São Paulo, onde são
investigadas as denúncias contra vereadores. Apresentou um calhamaço formado
por microfilmagens de cheques assinados por fiéis que teriam sido usados por
ela para comprar jóias, pagar diárias em hotéis e o flat onde mora, em Moema. O
desfalque estaria avaliado em, no mínimo, R$ 2 milhões. "Depois que ela
saiu, os fiéis se revoltaram e procuraram a direção com mais e mais
denúncias", afirma Roberto Ribeiro Junior, diretor do departamento
jurídico da Renascer. O festão que a bispa estaria promovendo com o dinheiro
das ofertas feitas por freqüentadores da igreja, na esperança de alcançar
milagres ou apenas pequenos arranques na vida - de acordo com a Renascer - foi
descoberto por obra e graça de funcionários que trabalhavam com ela e
resolveram falar. "Com base no que eles disseram, abrimos uma auditoria e
constatamos que era tudo verdade", diz o advogado Roberto Ribeiro Junior.
Além de ter os ex-colegas de ministério em seus calcanhares, a Bispa Lenice
está enrolada por outros meios. Uma ex-assessora enviou ao Ministério Público
uma carta denunciando que ela teria cobrado pedágio no salário de seus funcionários.
Encarregado de tocar as investigações, o promotor de Justiça da Cidadania
Antônio Celso Faria marcou audiências para o final do mês. "A funcionária
será ouvida primeiro", diz. Na Justiça, a bispa é acusada de replicar uma
prática comum na igreja - a julgar pelo número de processos abertos por
ex-fiéis denunciando procedimentos idênticos pelo Brasil afora. Junto com o
marido, alugou cinco salas de 300 metros quadrados por R$ 900 em um prédio na
mesma rua onde ficava a igreja que comandava e pediu a um dos fiéis para ser o
fiador. Três anos depois, o contrato venceu e a proprietária quis reajustar o
valor para R$ 1.900. Despachou dezenas de cartas, comunicados e notificações
para a bispa e não conseguiu encontrá-la. "O contrato venceu e não consigo
achá-la nem para dizer que prefiro não alugar mais sem o reajuste. Todos os
meses, a igreja deposita o valor anterior, como se nada tivesse
acontecido", afirma Natália da Cruz Pires Gomes, uma empresária portuguesa
que hoje não suporta ouvir falar na Renascer - "mas veja lá o que eles se
colocam a fazer em nome de Deus!" - e entrou com processo na 20ª Vara
Cível por despejo por falta de pagamento da diferença do reajuste. A REAÇÃO
Injuriada com a reação da igreja que ajudou a fundar - as primeiras reuniões
antes da criação formal da Fundação Renascer aconteceram em sua casa -, a Bispa
Lenice retaliou. Exonerou 15 de seus assessores - todos integrantes da Fundação
Renascer -, anunciou as demissões colando cópias do Diário Oficial na entrada
do gabinete, trocou a fechadura das portas e colocou a guarda da Câmara
Municipal de São Paulo em prontidão, com ordens de impedir a entrada de seus
ex-funcionários. Disse a colegas da Casa que continua evangélica e disseminando
o amor de Cristo entre os homens. Mas a quem perguntou mais a fundo, também fez
ameaças de que, se for provocada, pode entregar o que sabe sobre a igreja.
Procurada pelo Estado, ela não retornou os recados deixados com sua chefe de
gabinete. A saída repentina da Bispa Lenice provocou surpresa nos bastidores da
igreja porque ela era um dos nomes mais importantes na hierarquia formada por
58 bispos, entre primazes e auxiliares. Comandou templos importantes e, mesmo
sem experiência política, foi escolhida para concorrer a uma vaga na Câmara
pelo apóstolo Hernandes e sua mulher, a Bispa Sônia - também fundadora da
igreja e seu rosto mais conhecido, por comandar programas na TV. Candidata pelo
PV, era descrita pelo casal como "um nome de Jesus". Nos santinhos
distribuídos aos fiéis, aparecia como "uma mulher de fé para São
Paulo" em fotos ao lado do jogador Kaká, integrante da igreja. Eleita,
mudou para o PFL. Formada em Pedagogia e mãe de quatro filhos - um deles
batizado como Estevão em homenagem ao ex-chefe - contava até pouco tempo com
sinais de prestígio nos cultos da igreja. A Renascer montou em seus 1.500
templos espalhados por vários países uma estrutura empresarial baseada na livre
concorrência entre "administradores regionais" que precisam cumprir
metas de arrecadação de doações de fiéis e são contemplados com a divisão dos
lucros. Em pouco tempo, virou um conglomerado que inclui televisão, rádio,
gravadora, site gospel, estrutura de vendas de CDs, DVS e livros e tem poder de
mobilização para organizar eventos como a Marcha para Jesus, que no ano passado
juntou 2 milhões de pessoas na avenida Paulista. Vez por outra, a igreja é
bombardeada por denúncias que acabam em processos que vão de estelionato e
fraude fiscal a reclamações trabalhistas. A todas as acusações, costuma
responder que é vítima de ataques à fé evangélica. A Bispa Lenice e seu marido,
Gilberto - descrito no site da vereadora como "um belo rapaz que mais
tarde tornar-se-ia seu marido" - conhecem a estrutura da igreja por
dentro. Por isso, a expulsão tem deixado em polvorosa fiéis que se organizam em
grupos de discussão na internet, comunidades no orkut e blogs que publicam
denúncias. O mais acessado deles, o http://spaces.msn.com/ofuxicorenascer,
esmiúça a dança das cadeiras entre os bispos e observa: "Vai precisar de
muita água apostólica para limpar toda a sujeira impregnada no ministério
Renascer em Cristo". DO ESTADÃO DE HOJE
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