A OFICIALIZAÇÃO DA IGREJA - A HISTÓRIA DA IGREJA - DUNCAN REILY
A
história da Igreja, grosso modo, até o tempo de Constantino, foi uma luta
contínua pela sua própria sobrevivência e integridade. A despeito disso, porém,
a Igreja se havia espalhado largamente. Os inimigos da Igreja eram tanto de
dentro como de fora. De dentro, surgiram modos de interpretar o ensino cristão
que simplesmente não atendiam ao ensino bíblico tradicional (ou seja, do Antigo
Testamento) e nem interpretavam adequadamente a natureza e a obra de Jesus Cristo.
Os historiadores chamam o conjunto destas novas interpretações de
"gnosticismo* pelo fato que ensinavam que a salvação depende de
conhecimento (que na língua grega é gnosis). Todos os sistemas desprezavam a
matéria como má (portanto negavam a doutrina* bíblica da criação e da
verdadeira humanidade de Jesus Cristo). Os melhores pensadores da Igreja
combateram estas heresias*, as quais ameaçavam a integridade da fé.
Entrementes, o governo romano se sentia ameaçado pelo crescimento da Igreja e
especial-mente sua recusa de participar da religião estatal, o que lhe parecia
falta de patriotismo e até deslealdade à pátria. Diante da recusa dos cristãos
sacrificarem a César (como Deus e como símbolo de Roma), cristãos chegaram a
sofrer severa perseguição e até morte às mãos do governo e, às vezes, foram
vítimas da violência do povo que, excluído dos "ministérios"
(especialmente a Santa Ceia) chegavam a suspeitar que os cristãos praticassem
horrores nos seus esconderijos. Afinal, não diziam que lá comiam o corpo de
Cristo e bebiam seu sangue? Não estariam escondidos, praticando o sacrifício
humano e o canibalismo? Nas suas "festas de amor" não estariam tendo
verdadeiras orgias sexuais? Por vezes, o próprio povo se levantava contra os
cristãos, maltratando uns, matando outros. As maiores perseguições foram as do
Imperador Décio (por volta de 250 d.C.) que, no clímax da euforia da celebração
do milésimo aniversário da fundação de Roma, desfechou uma terrível perseguição
visando forçar os cristãos a abandonar sua fé e voltar à religião tradicional
do povo romano. E na verdade, muitos membros da Igreja preferiam ceder que
sofrer. Mas um número impressionante sofreu prisão, tortura e morte, sem
abandonar o seu Cristo. Após um período de aproximadamente 40 anos de relativa
paz (260 a 303 d.C), o imperador Diocleciano iniciou a mais severa perseguição
de todas, na qual ele procurou derrotar o cristianismo, visto por ele como
ameaça ao Império, o qual já não apresentava o seu antigo vigor e prosperidade.
Por sucessivos decretos ele tentou forçar os bispos (ou seja, os pastores) a
renunciar sua fé (ou então morrer), confiscou as Bíblias e destruiu os templos
cristãos (construídos no período da paz acima mencionada) e finalmente forçar
os cristãos individualmente a renunciar sua fé ou sofrer punição e até a morte.
Após 10 anos da mais severa perseguição, menos severo no Ocidente onde reinava
Constâncio Cloro (o pa de Constantino), o então Imperador Galério, enfermo,
convocou seus colegas do governo imperial para decretar tolerância aos cristãos
em troca da; suas orações em favor da sua saúde abalada (311 d.C). Esteve
presente Constantino, governante do ocidente depois da morte do seu pai, e já
simpático à causa dos Cristãos, e Licínio. Não estiveram presentes os
governantes da parte oriental, os quais não concordavam com esta nova posição.
Posteriormente, após a morte do velho Imperador Galério, Constantino se
convenceu que não seria possível vencer os cristãos à força. Aliás, como
Tertuliano havia declarado bem antes, no meio de perseguição"o sangue dos
mártires é semente". Não se mata a semente plantando-a; deste sangue
floresce a Igreja! Sua resistência parecia indicar a proteção de Deus sobre os
cristãos. Constantino arrazoava que os cristãos, favorecidos e não mais perseguidos,
poderiam ser uma base firme para a renovação e a unidade do Império! Sem
dúvida, seu tratamento com a Igreja tinha no seu bojo esta convicção política. Maxêncio
de maneira alguma concordava com esta tolerância e ele marchou contra Roma,
onde estava Constantino com um exército numericamente inferior. Num sonho, na
noite anterior à batalha, Constantino viu as iniciais do nome de Cristo na
língua grega e as palavras "Por este sinal vencerás". No dia seguinte
(dia 28 de outubro daquele longínquo ano de 312 d.C), na Ponte Múlvia sobre o
rio Tibre, Constantino usando o símbolo cristão (figura ao lado) enfrentou
(portanto em certo sentido como cristão e, como ele entendia, na força do Deus
dos Cristãos), e derrotou Maxêncío, que morreu em batalha. Pouco depois da
vitória de Constantino, Maxêncio e Licínio, em Milão, concordaram em tolerar os
cristãos no seu território, parando a perseguição e permitindo a reconstrução
dos tempos, etc, (começando 313 d.C). Porém os governantes do Oriente
continuaram a perseguição dos cristãos até que aqueles fossem vencidos em
batalha. Maximino Daia ainda persistia na perseguição do cristão e se
constituíra em inimigo de Constantino e Licínio. Licínio enfrentou Maximino
Daia perto de Adrianópolis e o derrotou definitivamente (Abril de 313).
Posteriormente (314) Constantino enfrentou também Licínio e se estabeleceu
senhor de 75% do Império. Novamente Constantino enfrentou Licínio em 323, se
tornou o único Imperador do vasto Império Romano. É comumente dito que
Constantino oficializou o Cristianismo como religião do Im-pério. Isto não é
exato; a oficialização veio depois, sob o Imperador Teodósio I (em 395 d.C), o
qual chegou a ordenar a destruição dos templos das religiões não cristãs. Mas
já havia começado uma situação radicalmente nova sob Constantino, especialmente
de 323 d.C em diante. Qual foi a reação dos cristãos? A atitude dos cristãos,
refletida nas histórias da Igreja Antiga, mostra uma euforia total!
Dificilmente poderia ser outra a sua atitude. Afinal, enquanto Maxêncio e
Maximino Daia (e por um período, também Licínio) haviam feito tudo para
arrancar a fé dos cristãos e destruir suas igrejas e matar seus pastores, agora
Constantino restaura-lhes a paz. Não apenas ele permite a reconstrução dos
templos cristãos destruídos. Ele próprio emprega fundos do governo para
construir grandes basí-licas (templos) nas principais cidades, como nos lugares
sagrados a Jesus na Terra Santa. Ele facilita a participação dos fiéis aos
cultos semanais no dia do Senhor (o dia principal do culto cristão desde o
início), tornando o domingo em dia de descanso. Ele dispensou o clero do
serviço militar etc. Tornou a Igreja em pessoa jurídica com a possibilidade de
receber legados e doações. E em contrapartida ele dificultou a situação dos não
cristãos, fechando seus templos, não permitindo a reforma deles etc. Em tudo
agia como se fosse cristão e, na realidade, chegou a presidir como chefe da Igreja,
embora só aceitasse o batismo no seu leito de morte, em 337 d.C. Hoje em dia
costuma se ver a questão com olhos diferentes daqueles do povo e até
de historiadores como Eusébio de Cesaréia, o
qual foi testemunha ocular das últimas perseguições. Quem não ficaria eufórico
se, depois de uma década de feroz perseguição, voltasse a paz à Igreja? Quem
não veria em Constantino, o instrumento desta paz, quase como um salvador? Quem
iria suspeitar, como pensam alguns hoje, que com Constantino teria se iniciado a
"queda da Igreja"? Quais eram as conseqüências da nova situação? Já
vimos a parte positiva, o que não deve ser desprezado. Com a paz, vem também
crescimento e expansão da Igreja. Mesmo no tempo de Constantino, discussão
doutrinária, antes um assunto só da Igreja — e certamente assunto que pertence
à Igreja e não ao Estado! — passava a ser assunto político. Deveras, quando,
após 320 d.C, veio à tona a questão da heresia ariana (promovida por Teodoro
Ário) e na qual os teólogos da Igreja já tomavam posição, a importância da
questão parecia ameaçar a unidade do Império. O cristianismo parecia ser,
então, um elemento para dividir e não unificar o Império. Daí, não a Igreja (na
qual, na verdade, não existia nenhuma autoridade suprema para pessoalmente assumir
a liderança nessa emergência) e, sim, o Imperador Constantino, convoca um
Concílio dos bispos para decidir a questão. O Concilio, o de Nicéia (325 d.C)
foi também presidido não pelos bispos, mas pelo Imperador. Esta situação
significava que decisões que deveriam ser livres decisões da Igreja passam a
sofrer influência e até controle imperial, com os óbvios perigos disso. Uma
outra novidade aparece. A Igreja sempre lutava em favor daquilo que julgou ser
a verdade e contra o que julgava ser erro, até expulsando da Igreja aqueles
cujos erros ou desvios eram grandes demais para serem tolerados. Mas com a
oficialização da Igreja, heresia passa a ser crime, punível não tanto pela
Igreja como pelo Estado. Ainda uma outra consideração. Se era verdade que o Império,
agora favorável à Igreja e não mais o seu perseguidor, trazia positivos
benefícios, o mesmo Império facilmente poderia privar a Igreja da sua liberdade
e frustrá-la no desempenho da sua missão ao mundo. O Império defendia e
controlava a Igreja, e a Igreja passou a defender e legitimar o Império e suas
políticas, deixando de ser profética e passando a ser aliada. A cruz e a espada
estavam juntas pro bem, e infelizmente, pro mal também.
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