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MINISTÉRIO EM DEFESA DA FÉ APOSTÓLICA


PASTOR SERGIO LOURENÇO JUNIOR - REGISTRO CONSELHO DE PASTORES - CPESP - 2419

OS MÁRTIRES DO COLISEU - A. J. O'REILLY

O fraco e supersticioso Adriano ocupava o trono dos césares. Era homem de pouca habilidade, mas de ânimo vil, enganoso e cruel, capaz de todos os horrores que desgraçaram os reinados de seus antecessores. Mas a opinião pública estava farta da matança indiscriminada, c as mortes medonhas que encerraram a infame carreira daqueles tiranos faziam tremer o imprestável Adriano, e coibir a brutal propensão de seu coração impiedoso. Ele estava dispos¬to a fazer vigorar as leis de perseguição aos cristãos, e a manchar novamente os centros de execução pública com o sangue de centenas de inocentes. Contudo, o exemplo de seu predecessor parecia ser a sua estrela guia: sob o governo de Trajano, o Império prosperara, os inimigos do leste foram derrotados, e novas províncias foram agregadas aos seus limites. Mesmo assim, em sua política hipócrita de conciliação, homens notáveis dentre os cristãos foram publicamente executados; seu sangue foi derramado como penhor da devoção de Adriano aos demônios venerados pelo povo. Na primeira pane de seu reinado, ele punha nos deuses uma confiança supersticiosa; mas o medo. a imbecilidade, e uma piedade ridícula pareciam conflitar em seu caráter, destruindo um ao outro. A conseqüência foi que os cristãos desfrutaram de uma paz razoável em seu reinado. Não obstante, alguns martírios ocasionais tiveram lugar. O martírio de Sinfrósia deu-se sob o reinado de Adriano, na inauguração de sua imensa habitação próxima a Tivoli. As ruínas cobertas de hera desta vila são hoje a parada favorita dos excursionistas do antigo Tibre. Dentre outros, encontramos na lista dos mártires de seu reinado os seguintes nomes: Maria, a jovem serva de Tertuliano, Alexander e Sixto. líderes da Igreja, Denis, o areopagita, e muitos outros igualmente dignos de nota. Todos concordam que a perseguição desse tempo era irregular, e dependia grandemente da disposição volúvel, impetuosa e cruel do imperador. Ela nunca foi completamente extinta, mas como brasa viva, ocasionalmente explodia em chamas, e depois apagava-se novamente. Adriano possuía um gosto especial por arquitetura, e a tranqüilidade vivida pelo Impé¬rio durante o seu reinado permitiu-lhe voltar a atenção à sua ocupação favorita. Algumas das mais belas ruínas da antigüidade, que têm suportado o peso dos séculos, ostentam a marca de seu orgulho e prodigalidade. O Tibre, o Danúbio, o Reno, e o Tine, na Inglaterra, ainda conservam em suas margens os restos de pontes e tumbas, castelos e fortificações, que olham altivamente para os rios poderosos, fluindo tão regular e majestosamente quanto o próprio tempo, sempre jovem na vitalidade da natureza. De todos os imperadores romanos, o nome de Adriano é o mais familiar aos peregrinos da Cidade Eterna. O estrangeiro chegado à Roma. em seu caminho à Igreja de São Pedro, a maior maravilha da arte moderna, cruza a ponte e passa sob o castelo de St. Ângelo; estes são os dois primeiros monumentos da antigüidade a atrair o olhar, e ambos são obras de Adriano. Séculos de guerra e devasta¬ção, chuvas e tempestades de aproximadamente mil e setecentos invernos têm despojado o mausoléu de seus ornamentos, mas suas paredes maciças e indestrutíveis ainda servem de fortaleza, prisão e castelo, e como uma rocha da natureza, olha de cima as gerações que passam. Por muitos séculos vindouros, ele permanecerá ás margens do Tibre como um marco da correnteza do tempo. "Volva ao molhe que Adriano erigiu no alto, imitador imperial dos edifícios do Egito, copista colossal da deformidade; cuja fantasia viajada, do modelo enorme do Nilo distante, condenou o trabalho do artista a construir para gigantes, e para sua terra vaidosa; recolhidas as suas cinzas, levanta este domo! Como sorriem com alegria filosófica os olhos do observador, Ao ver o imenso projeto que brota de tal nascimento! - Childe Harold Sobre o edifício venerável, paira agora o arco da aliança atual - o anjo de Deus embainha a espada flamejante da justiça. Ele foi erguido para comemorar a visão dada a um líder eclesiástico - um símbolo adequado do período mais notável da história romana, representando não apenas o fim de um flagelo momentâneo, mas o término dos dias sangrentos da perseguição, e o começo de um reinado pacífico para o benefício da humanidade. No momento em que escrevemos, o sol da época de ouro de Roma já passou o meridiano e acha-se na segunda ou terceira hora de seu declínio. Contudo, o esplendor e a magnificência da cidade estão além da descrição. A região que se estende como uma arena desde o Capitólj0 e dos montes Quirinal e Piceno, até o Tibre, era adornada de ponta a ponta com teatros hipódromos. lugares para jogos e espetáculos bélicos, templos cercados com bosques de sempre-vivas, ligados um ao outro por passeios sombreados e gramados que mais pareciam veludo. Monumentos e troféus de uma brancura nevada, de toda espécie, alinhavam-se às margens do rio. A história dos triunfos da cidade, escrita em mármore e travertino, desde a coluna de Duilius, até a magnificente coluna que acabara de ser feita em memória do faleci¬mento de Trajano, apresenta um cenário tão fascinante, que Estrabo, em sua descrição, afirma ser quase impossível desviar delas o olhar. Elevando-se. porém, acima de tudo isto, surgia o mausoléu de César Augusto, onde ficavam as armas da família de Juliano e de muitos outros imperadores. Quando qualquer um deles estava para ser deificado, ou acrescentado ao núme¬ro dos deuses, (uma cerimônia que Adriano realizou para Trajano), seu corpo era levado com pompa e cerimônia num leito de ouro, e posto sobre uma pilha de madeira odorífera; quando as chamas começavam a subir ao cadáver, soltava-se uma águia que ali estivera presa. Sob o aplauso de milhares de pessoas, o gênio do Império, ou "deificador de homens1', elevava-se no ar rumo aos céus. Enquanto sorrimos com o sarcasmo da filosofia e o conhecimento da fé, somos tocados pela poesia e a habilidade do passado ignorante. Um triunfo foi oferecido a Trajano por suas muitas vitórias. Ele era um homem bélico, e ia aos campos de batalha à frente de suas legiões. Foi em sua ida à Armênia que ele condenou o bispo de Antioquia. Ele escolheu Plácido para conduzir as legiões ás fronteiras sírias porque fora ameaçado de revolução no território mais importante de Partia. Por essa razão ele resolvera, caso a guerra fosse declarada, ir ele mesmo subjugar o inimigo naquela parte do Império. Aconteceu como ele previra, e ele foi à expedição, mas... Nunca retornou a Roma; morreu durante a campanha. Todavia, um triunfo foi decretado em sua homenagem, e Adriano, que era um de seus oficiais comandantes, foi declarado seu sucessor pelos soldados, e escreveu ao senado anunciando que ia, em pessoa, representar o conquistador falecido. O triunfo era a ambição mais alta de um romano; vinha logo depois da honra divina, e excedia em esplendor a todos o espetáculos da cidade. De acordo com um costume legítimo, nenhum general era intitulado ao cargo se não houvesse matado em combate cinco mil inimigos da república, e com esta vitória, alargado o seu território. Mas aquele que tivesse a fortuna de merecê-lo, avançava à frente de seus companheiros de armas, desde o campos do Vaticano até o portão triunfal. Ali, após uma leve refeição, ele era vestido com manto triunfal; os ritos habituais às deidades postas junto ao portão eram realizados. então a procissão seguia pela Via Triunfal, as ruas ladeadas de altares de incenso, e forrai»! de flores. Em sua bela obra Rome Under Paganism and tbe Popes, Miley descreve a procissão do triunnfo Há certos itens na formalidade da cerimônia que devemos mencionar. Primeiro vinham os músicos de várias espécies, tocando e cantando canções triunfais; depois eram conduzidos os bois para serem sacrificados, com os chifres dourados, e a cabeça adornada com fitas e grinaldas. A seguir, eram trazidos em carruagens os espólios de guerra – estátuas, pinturas, placas, armaduras, ouro, prata e cobre, coroas de ouro e outras dádivas enviadas pelos estados aliados e tributários. Os títulos das nações vencidas eram inscritos em molduras de madeira, nas quais eram mostradas imagens ou representações das regiões e cidades conquistadas. Os lideres e príncipes cativos seguiam acorrentados, com seus filhos, parentes e cortesãos. Após eles vinham os lictores com suas machadinhas e feixes de varas entrançadas com louro, seguidos por um grande grupo de músicos e dançarinos, vestidos como sátiros, e levando na cabeça guirlandas de ouro. No meio deles vinha um palhaço vestido de mulher, cuja ocupação era insultar, com o olhar e os gestos, os inimigos derrotados. A seguir, vinha uma longa fila de gente carregando perfumes, e então, vinha o conquistador. "Ele vinha vestido de ouro e púrpura, uma coroa de louros na cabeça, um ramo da mesma planta na mão direita, e na esquerda, um cetro de marfim com uma águia na ponta. Sua face era pintada de escarlate. a semelhança da estátua de Júpiter nos dias de festa; trazia pendurada ao pescoço uma bola de ouro, contendo algum amuleto ou magia contra a inveja. Sua carruagem, onde se sentava ereto, resplandecia com o brilho do ouro e do marfim. E desde o tempo de Camilo, ou quem sabe de Tarquínio, era puxada por quatro cavalos brancos, e às por elefantes, ou outro animal selvagem igualmente singular. Era escoltado por pessoas de suas relações, clientes, e uma multidão de cidadãos, todos trajando togas brancas. Seus filhos seguiam numa carruagem junto à dele. E para que não se orgulhasse demasiadamente, um escravo carregando uma coroa de ouro e pedras preciosas, abaixado atrás dele, sussurrava-lhe de vez em quando ao ouvido: lembra-te que és homem: "Sua carruagem era seguida pelos cônsules e senadores a pé; seus legatários e tribunos militares geralmente cavalgavam ao seu lado. Por último vinha o exército vitorioso, tanto o montado quanto o a pé, em formação marcial; os soldados, coroados de louro e ornados com as dádivas que haviam recebido por seu valor, cantavam em seu próprio louvor, e em honra ao seu general, a quem às vezes atacavam de brincadeira. Gritos de 'Ao triunfo’ rompiam frequentemente das fileiras de guerreiros, e faziam coro com as miríades de romanos, ecoando nas margens do Tibre, entre os vales das sete montanhas, e parecendo abalar o próprio Capitólio. Chegado ao Fórum, e antes que sua carruagem começasse a subir a colina do triunfo ladeada por templos, o conquistador ordenava que os reis e chefes das nações vencidas fossem levadas pelos executores, para serem mortos na Gemônia, a horrenda masmorra ao pé do monte Capitólio. Aproximando-se do templo de Júpiter, ele esperava até ser informado, pelos oficiais designados, que as suas ordens sanguinárias haviam sido cumpridas. Então, depois de haver incensado a Júpiter e a outros deuses por seu sucesso, ele requisitava as vítimas, sempre brancas e das pastagens de Olitumnus, para serem sacrificadas, e depositava seu diadema de] ouro no regaço de Júpiter, a quem também dedicava uma grande porção do espólio."l2 Os jogos e divertimentos do triunfo continuavam por algumas semanas, e eram celebrados no circo e no anfiteatro. Esses jogos tinham mais o caráter de flagelo que de diversão, consistindo da imolação indiscriminada de vítimas humanas e animais. O gasto do dinheiro público nessas ocasiões era enorme: nada era poupado do que a genialidade e a destreza pudessem sugerir. Depois que a exaltação popular era amainada, e a pantomima da adulação havia deificado suficientemente o conquistador, alguns arcos ou colunas estupendas eram erigidos para comemorar, através das gerações futuras, os méritos do herói e o triunfo dos exércitos' romanos. Alguns desses monumentos ao triunfo ainda resistem em meio às ruínas de Roma, e i são, indubitavelmente, os melhores registros que possuímos da magnificência da cidade antiga. Adriano entrou em Roma na glória emprestada do imperador falecido; os gritos de triunfo ressoavam pela cidade. Ele deificou Trajano da tumba de Augusto, e enviou a águia de seu espírito à liberdade dos céus; dedicou ao conquistador a soberba coluna erigida em sua memória, e a arena do Coliseu foi uma vez mais molhada com o sangue dos gladiadores e das vítimas. Durante os jogos, mais de duzentos leões foram trucidados, e um número imenso de cativos e escravos foi levado à morte. Foi num anoitecer, durante essas celebrações, que se espalhou na cidade a notícia de que o exército de Plácido vinha chegando, e já se achava na Via Apia. As diversões ganharam um novo impulso, e outro triunfo e procissão foram preparados para o exército vitorioso. Não havia nada que entusiasmasse tanto o povo como o retorno de seus exércitos de uma campanha bem-sucedida. Aqueles que recordam o dia quando os heróis da Criméia desembar¬caram nas praias da Inglaterra bem podem imaginar os exércitos de Roma adentrando a capital em triunfo. De acordo com o costume, o imperador saiu ao encontro do general e o abraçou.15 Como a noite avançava, e o sol já afundara no Mediterrâneo azul, o imperador ordenou que o exército acampasse fora dos muros, onde pernoitaria, e na manhã seguinte entraria triunfal* mente na cidade. Plácido e sua família acompanharam o imperador ao Palatino. e foram entretidos com um suntuoso banquete. Ele deu ao imperador o relato de sua campanha, e falou até tarde da noite sobre suas batalhas, suas conquistas, a bravura de seus dois filhos, e a descoberta extraordinária de sua família.14 Sonoro, agudo, e alegre foi o toque da trombeta que despertou o exército sonolento na manhã seguinte. A taça da alegria para aquelas pobres criaturas foi cheia até a borda. Eles não conheciam maior recompensa pelos anos de dureza e provações, e pelas cicatrizes e ferimentos que os incapacitavam para a vida, que os gritos de uma multidão bárbara e brutal, que os aclamava ao longo da estrada do triunfo. Quando entraram pelos portões, cada um recebeu uma coroa de louro, cujo frescor e beleza contrastavam com as feições queimadas de sol e os trajes esfarrapados. À volta do pescoço, e junto a si, levavam uma profusão de bugigangas vistosas, retiradas do inimigo vencido, para oferecer às esposas e aos filhos. Havia carroças puxadas por bois, tão lotadas de espólios, que faziam ranger o pavimento da Via Ápia; armaduras, ornamentos de ouro e cobre, animais selvagens em gaiolas, e tudo o que pudesse mostrar os usos e costumes dos povos conquistados. O general seguia na retaguarda de seu exército, com a esposa e os dois filhos, numa agem dourada, puxada por quatro cavalos brancos. Não se via na mansa fisionomia de plácido nenhum orgulho, animação, ou alegria embriagada, comum nos conquistadores pagãos Toda aquela demonstração de regozijo e suntuosidade era para ele e sua família cristã a pompa funeral que os conduzia ao túmulo. O rei que, em seu leito de morte, ostentava a coroa e o manto real para enfrentar a morte como um monarca, era um retrato de Plácido levado em triunfo ao martírio - uma narrativa da vacuidade e instabilidade da grandeza humana, geral¬mente contada nas vicissitudes da história! Ele estava silencioso e sereno; nem mesmo o aplauso ensurdecedor da multidão de espectadores ociosos, que fazia o seu nome ressoar através dos palácios e tumbas que ladeavam as ruas desde o portão Capena ao Fórum, o levava a olhar para eles com um sorriso de aprovação jovial. Plácido estava bem consciente de que, em alguns instantes, a sua fé em Cristo seria declarada, pois ele não poderia sacrificar aos deuses. Enquanto a procissão avançava, um murmúrio percorria a turba. Perguntavam um ao outro onde estariam as vítimas. Cadê os chefes cativos? Onde estariam os escravos que geralmente vinham arrastados pela carruagem do conquistador? Onde as matronas e as filhas lastimosas da raça vencida, que juntavam à música do triunfo o seu lamento lutuoso? Chegando ao Fórum, a procissão parou, como de costume, e os guardas e executores da prisão Mamertine procuraram em vão por suas vítimas; era a primeira vez nos anais do triunfo que os seus machados não seriam mergulhados no sangue de heróis, cujo único crime fora lutar bravamente por seus lares e sua pátria. Eles desconheciam a sublime moralidade capaz de perdoar o inimigo. Plácido perdoou-os no instante em que os vencera, e em vez de arrastar vítimas indefesas, tornando-as de sua pátria e famílias para serem imoladas aos demônios de toma, deixou seu nome no rastro de sua marcha, em bênção e amor. Agora, porém, a procissão chegara à entrada do templo de Júpiter. Os sacerdotes aguardavam em seus mantos, e atados ao altar, viam-se os bois brancos, com os chifres dourados e guirlandas de flores na cabeça. Imensas achas ardiam no centro do templo para consumir as vítimas, e o incenso aromático era queimado em vasos de ouro. Plácido e sua família desceram da carruagem, e puseram-se a um lado. Recusavam entrar: não iam sacrificar. Se um terremoto houvesse abalado o templo até as suas fundações, ou um eclipse repentino escurecido o sol. o choque não teria sido maior que o experimentado naquele momento pelos milhares ali reunidos. A notícia correu a multidão como fogo em rastilho de pólvora. Um murmúrio profundo e pesado, como uma vaga rompendo os seus limites, subiu da multidão que enchia o Fórum. Indignação e fúria foram as paixões que dominaram a plebe. O demônio do paganismo reinava em seus corações; piedade, justiça e liberdade eram virtudes desconhecidas. Os gritos e aplausos com que haviam aclamado Plácido o conquistador, a glória do Império, e o amado do deus marcial, tornaram-se em vaias, com gemidos e assovio. Dos templos dourados do Capitólio soavam os gritos de "Morte aos cristãos!" "Fora com os cristãos!" Mas o momento de um triunfo maior chegara para o nosso herói. Apressemo-nos no escuro cenário de crueldade e ingratidão que encerrou a carreira de Plácido neste lado vida e antecipemos o triunfo que durará para sempre. O nobre general e sua família foram trazidos perante o imperador. Adriano estaria alegre por Plácido haver sido trazido diante dele como criminoso? Sem dúvida, via com olhos ciumentos a glória, a popularidade, a reconhecida superioridade em destreza e realizações, e o triunfo real de alguém que, poucos meses antes, era seu igual como comandante do exército, enquanto o seu próprio triunfo não passara de um arremedo - o galardão emprestado de um herói falecido, cujo panegírico ele pronunciara relutantemente, em cima da carruagem do triunfo. Além do mais, fraco de espírito e servil, ele deve ter regozijado com a oportunidade de satisfazer o gosto da turba cruel e brutal, acostumada a ver toda autoridade como usurpação e opressão, c que odiava o cristianismo como uma virulência satânica. Do mesmo modo que Trajano, ele resolveu provar sua lealdade aos deuses com a execução pública do maior homem do Império. Ele recebeu o velho chefe no templo de Apoio e, num discurso preparado, fingiu o que nunca sentiu: compaixão por sua insensatez. Quando inquirido pelo arrogante Adriano por que não sacrificaria aos deuses. Plácido respondeu brava e intrepidamente: — Sou um cristão, e adoro unicamente ao Deus verdadeiro. — De onde vem esta obsessão? — indagou logo o imperador. - Por que perder toda a glória do triunfo e expor à desonra a tua cabeça grisalha? Não sabes que tenho poder para mandar-te a uma morte miserável? Plácido replicou meigamente: — Meu corpo está em teu poder, mas a minha alma pertence Aquele que a criou. Nunca hei de esquecer a misericórdia que Ele me demonstrou ao chamar-me ao seu conhecimento, e regozijo-me em ser capaz de sofrer por Ele. Tu podes mandar-me conduzir tuas legiões contra os inimigos do Império, mas jamais oferecerei sacrifício a qualquer outro deus que não o grande, poderoso, e único Deus que criou todas as coisas, estendeu os céus em sua glória, adornou a terra com suas belezas, e criou o homem para servi-lo. Somente Ele é digno de sacrifício; todos os outros deuses são demônios que enganam o homem. Assim responderam também sua esposa e os dois filhos. Eles gracejaram com o imperador por adorar peças inconscientes de mármore e madeira. Adriano tentou em vão promessas e ameaças, e todos os argumentos tolos usados em defesa do paganismo. A fiel família mostrou-se inflexível. A argumentação de Plácido era simples, porém sincera e poderosa; e a derrota palpável de Adriano, ao tentar arrazoar com alguém dotado da eloqüência prometida aos fiéis arrastados perante os tribunais terrenos, aumentou ainda mais o seu orgulho e crueldade, bem como o seu desejo de vingança. O Coliseu ficava a poucos passos dali; os jogos estavam em andamento; os criminosos e escravos do Império eram as vítimas diárias de seus divertimentos. A condenação de Plácido seria um golpe de astúcia para aumentar a prosperidade de seu reinado; era a completa - gratificação aos sentimentos de inveja e vingança que o demônio atiçara-lhe no coração. Ele ordenou que o general cristão e a sua família fossem expostos às bestas feras no anfiteatro. No lugar onde se deu essa entrevista, existe hoje um convento das Irmãs da Visitação, e elas cantam em seu ofício o belo e profético salmo de Davi: "Quare fremuerunt gentes"... "Por que se amotinam as nações, e os povos imaginam coisas vãs? Os reis da terra se levantam, e os príncipes juntos se mancomunam contra o Senhor e contra o seu ungido, dizendo: Rompamos as suas ataduras e sacudamos de nos as suas cordas. Aquele que habita nos céus se rirá; o Senhor zombará deles" (Sl 2.1-4). Quão sublime é a idéia sugerida pelo canto matinal pairando sobre as ruínas silenciosas e cobertas de hera do palácio dos césares, de onde partiram as terríveis perseguições à Igreja, e de onde veio tudo o que os poderes das trevas, personificados nos impiedosos soberanos de Roma, puderam fazer para destruir o cristianismo em seu início! É provável que Plácido e sua família tenham passado aquela noite na escura e fétida prisão Marnietina. Era uma cela recortada na rocha sólida, ao pé do Capitólio, e consistia de duas câmaras, uma sobre a outra, onde só era possível entrar pelas aberturas no teto. (Hoje. uma cômoda escadaria foi ali construída.) A mais baixa e lúgubre dessas câmaras era destinada aos condenados à morte. Essas prisões existem a quase três mil anos, e juntamente com as cloacas. ou os grandes canos de esgoto da cidade, são os monumentos mais perfeitos da época augusta. Na literatura clássica, as prisões são mencionadas como Gemônia ou Masmorra Tuliana. O historiador Saluste, que viveu cerca de cinqüenta anos antes de Cristo, falando de Catalina, escreve o seguinte: "Na prisão chamada Tuliana, há um lugar numa profundidade de três metros e trinta centímetros, quando se desce um pouco à esquerda, cercado por paredes, e com um teto arqueado; aí, a sujeira e a escuridão são terríveis1'. Não se pode imaginar nada mais medonho e lúgubre que este calabouço nos dias de seus horrores. A luz do sol nunca lhe penetrou a escuridão, e o seu fedor e sujeira produzem um veneno fatal ao organismo humano. Nesse lugar, Jugurta foi deixada a morrer de fome; aí, Vercingetorix, um líder gaulês, foi assassinado por ordem de Júlio César: e os companheiros de Catalina foram estrangulados a mando de Cícero. Nessa mesma cela, o infeliz Sejano, favorito de Tibério, encontrou uma morte merecida; e também Joras, um líder judeu, foi morto ali por ordens de Vespasiano. Contudo, ela é mais notável nos anais da Igreja pelos martírios dos heróis cristãos que pela sua antigüidade ou história política. Muitos santos e mártires consagraram essas prisões com suas orações e lágrimas; e há em Roma poucos pontos tão santos, atrativos, e ricos em tesouros sagrados do passado, quanto a Marmetina. Ela foi reservada de modo especial para prisioneiros estatais c pessoas de distin-ção. Portanto, ainda que os Atos dos Santos não o mencione, temos razão para presumir que Plácido e sua família passaram a noite anterior ao martírio nesse horrendo calabouço. Contu¬do, a fé e as consolações da oração podem lançar luz na mais trevosa das prisões; nenhuma escuridão externa ou aflição material pode arruinar a alegria da alma fiel.15 Na manhã seguinte, 20 de setembro do ano 120 de nossa era, o povo acorreu às dezenas de milhares ao Coliseu. Eles sabiam o que aconteceria; tinham ouvido sobre a condenação pelo imperador. A surpresa e a indignação diante da descoberta de que o general pertencia à odiada seita dos cristãos expressavam-se no franzir de suas frontes anuviadas. Fosse ele um assassino, um assaltante de estrada, ou um prisioneiro político, que houvesse tramado a ruína do Império, a compaixão seria exprimida por cada lábio, pedir-se-ia a suspensão da sentença, e a turba o teria salvado. Mas é sempre amarga e profunda a animosidade dos demônios que se deleitam no espírito do erro, e travam guerra contra a verdade. A intensidade deste sentimen¬to hostil pode ser medida na proporção da rejeição total ou parcial da revelação. Nenhuma nação pôde mergulhar mais fundo na idolatria, na sensualidade, e no vício que o grande império, cuja capital é considerada a Babilônia da impiedade, mencionada no Apocalipse. "Porque não temos que lutar contra carne e sangue", advertiu Paulo, L,mas( sim, contra os principados, contra as potestades. contra os príncipes das trevas deste século, contra as hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais" (Ef 6.12). Não seria num anfiteatro manchado com o sangue de feras e gladiadores, e repleto de gente excitada e insensível, que se ouviria a voz da piedade e da razão. O clamor impaciente da turba denunciava os cristãos como inimigos dos deuses e dos homens, e a condenação pública do general cristão já ressoara pelas bancadas do Coliseu. A chegada do imperador foi anunciada; o zumbido das conversas silenciou; todos os olhos voltaram-se à entrada que dava para o Esquilino, especialmente reservada ao séquito real. Tão logo o imperador adentrou o anfiteatro, todos se levantaram; os lictores abaixaram a cabeça, e os senadores e as vestais curvaram-se profundamente. Os gritos de "grande", "imortal", "divino", ecoaram de todos os lados. A multidão de espectadores nada mais era que uma assembléia de escravos infames, que tremia ao aceno de seus governantes. Embora os freqüentadores do Coliseu geralmente odiassem o imperador como um opressor e tira¬no, no frenesi do medo gritavam, com língua mentirosa, que somente ele era grande e poderoso. Ele carregava um cetro de marfim encimado por uma águia de ouro, e um escravo o seguia, segurando acima de sua cabeça uma coroa de ouro maciço e pedras preciosas. Tão logo o imperador se sentou, o toque agudo de uma trombeta convocou ao silêncio e ao começo dos jogos. Após a procissão dos infelizes que tomariam parte no programa de esportes cruéis daquele dia, e a luta simulada dos gladiadores, era costume iniciarem-se os esportes de destreza e habilidade; nesse dia, porém, a ordem foi mudada. O populacho clamava pela condenação dos cristãos, e o imperador ordenou que Plácido e sua família fossem expostos às feras. Eles foram conduzidos à arena acorrentados. Estavam silenciosos e absortos em oração. O dos jogos pediu-lhes uma vez mais que sacrificassem aos deuses. Eles recusaram. Os Lentas receberam ordens de soltar algumas bestas selvagens para os devorar. Um silêncio mortal reinou no ambiente. Todos foram tocados com a firmeza da família; nenhum grito de pavor, nenhuma tremedeira, nenhuma súplica por misericórdia, nenhum coração partido ou lida frenética; tudo era calma e tranqüilidade. Os quatro esperaram de joelhos dobra¬dos, e com majestosa resignação, a sentença tenebrosa. As portas de ferro dos cárceres subterrâneos rangeram em seus gonzos; dois leões e quatro ursos saltaram na arena. Os animais não tocaram os mártires; puseram-se a cabriolar à sua volta. Um dos leões tentou enfiar a cabeça sob o pé de Plácido. Ele o permitiu. E aconteceu então a coisa mais bela e emocionante jamais vista no Coliseu: o rei das selvas pôs-se voluntariamente sob o pé do ancião desarmado, e agachou-se como se sentisse medo e reverência. — Atiçai os animais! — gritou aos guardas o enfurecido imperador. — Atiçai-os! Fazei-os devorá-los! — ouviu-se em cada fileira, desde os senadores e as vestais, às bancadas da plebe enlouquecida. Não obstante, os animais voltaram aos seus guardadores, que os tiraram da arena. Outros bichos foram soltos, mas serviram apenas para aumentar a cena do triunfo: respeitosamente lamberam os pés de suas supostas vítimas. Deus, que usara um animal para trazer Plácido à luz da fé, e posteriormente usara outros como instrumentos de suas provações e tristezas, agora fazia-os expressar o seu amor e proteção aos seus servos. A indignação e a vergonha do imperador pagão elevaram-se ao clímax; a sua raiva impoten¬te e a sua crueldade natural explodiram, e para gratificar sua paixão brutal, ordenou que os mártires fossem postos no touro de bronze, e consumidos por um fogo lento. 0 touro de bronze era um terrível instrumento de tortura empregado na perseguição aos cristãos. Diver¬sas pessoas podiam ser postas ao mesmo tempo em seu ventre oco, e quando o fogo era posto sob ele, tornava-se um forno, e... não é difícil imaginar a excruciante tortura que o fogo lento devia causar às vítimas vivas. Sabemos, por diversas fontes, que esse formidável instrumento de suplício foi usado tanto antes, quanto bem depois do tempo de Adriano, e que muitos fiéis foram nele martirizados. Desse modo. Plácido e sua família receberam sua coroa. O Deus Todo-poderoso desejou mostrar, através de um grande milagre, que era pela sua vontade, e não pelas ordens do imperador, que os seus servos seriam despojados da vida. Três dias depois, seus corpos foram retirados de lá, na presença do imperador. Não havia neles qualquer traço de fogo; exalavam um agradável odor, e pareciam entregues a um doce sono. Os corpos foram deixados sobre o solo por vários dias, e toda a cidade acorreu para ver o milagre.1" Como o nosso Deus nada faz em vão, muitos foram convertidos mediante este milagre, e tornaram-se cristãos fervorosos. Os corpos dos mártires foram roubados por cristãos, e poste¬riormente enterrados juntamente com o touro de bronze no local onde se deu o martírio. Uma bela igreja edificada ali tem sido reconstruída e reparada durante os últimos quinze séculos, e ainda homenageia o nome do virtuoso Plácido, e guarda os seus restos mortais. Na mesma urna repousam os restos de sua fiel esposa e de seus filhos, aguardando o soar da trombeta do arcanjo, no último dia. Os Bolandistas entram numa longa e erudita discussão sobre a autenticidade dos Atos de Eustáquio, que eles apresentam na versão original grega. Embora, na narrativa acima, tenha¬mos nos esforçado para evitar a monotonia dos fatos isolados, e dado uma roupagem imaginá¬ria a história desse santo homem, procuramos ater-nos substancialmente aos fatos apresenta¬dos nos Atas. A obscuridade e a dúvida causadas pelo lapso de dezessete séculos, e o caráter extraordinário dos fatos registrados, fazem-nos hesitar em declarar que esta estranha historia seja um fato incontestável. Contudo, ela parece resistir ao teste de cuidadosos exames. Alguns dos mais antigos e notáveis martirológios mencionam a sua extraordinária conversão durante a caçada de um antílope, e o seu martírio no touro de bronze. João Damasceno cita a história de Eustáquio num sermão pregado em 734 d.C. A tradição indica o local, no monte Apenino, onde se deu a singular conversão. E supõe-se que uma capela construída ali, no quarto século, tenha sido erigida por ordem de Constantino, cujo primeiro cuidado, após sua conversão e triunfo, foi dedicar e preservar os pontos sagrados e históricos da Igreja Primitiva. Um rude mosaico do quarto século, representando um antílope e outros episódios da vida de Eustáquio. foi removido da pequena igreja, e acha-se preservado na Coleção Kircheriana. O erudito e fidedigno Barônio, após cuidadoso exame dos Atos, pôde apenas dizer estas palavras: "Putamos tamen eis multa superaddita esse", 120 d.C. ("Achamos, contudo, que muita coisa lhes tenha sido acrescentada"). Os autores do Bolandista, no entanto, parecem inclinar-se a sua probabilidade. E inútil e absurdo indagar por que o Todo-Poderoso usaria esses meios extraordinários para a conversão de Plácido. Existem enigmas nas dispensações dos favores divinos que só podem ser esclarecidos pela inteligência divinamente iluminada. Pode-se igualmente perguntar por que o apóstolo Paulo foi convertido na estrada de Damasco, e não na cidade, e por que foi feito um vaso escolhido, quando havia tantos mais merecedores que ele. Por que o Senhor Jesus realizou um de seus maiores milagres usando terra misturada à saliva? Por que Ele fez de pobres pescadores líderes de sua Igreja? Há coisas nas Sagradas Escrituras mais extraordinárias que qualquer uma mencionada em nossa narrativa. À nossa volta, em cada momento de nossa existência, e em cada parcela da Igreja de Deus, há intervenções sobrenaturais de sua misericórdia e seu amor -milagres, se você preferir chamar assim - que a inteligência humana não pode compreender. E orgulho e sinal de infidelidade zombar das obras de Deus por causa de sua aparente estranheza. Quem pode impor limites ao poder e ao amor de Deus? Aquele que não possui a humildade e a simplicidade da fé. Embora não estejamos sob pena de anátema para aceitar tudo o que se acha registrado sobre a vida desses santos servos de Deus, também não estamos aptos a dizer que são romances e contos inúteis. Mas alguns deles são, dirá você. Pode ser, mas é difícil especificá-los. Quando passamos a examinar qualquer uma dessas vidas singulares, somos levados por uma tempestade de provas e fontes autorizadas, que nos faz sentir vergo¬nha de nossa dúvida. Tentamos fazê-lo, e falamos por experiência própria; não existe estudan¬te de história justo e honesto que não tenha experimentado o mesmo. Todavia, há muita gente ignorante e presunçosa, que vê tudo através das lentes do preconceito; tudo o que é estranho, consolador, ou impressionante nos anais sagrados do passado são para eles vislum¬bres da fantasia, e condenam tudo com um sorriso de sarcasmo. Para esta gente, a fé dos fiéis, seu passado e seu futuro, nada é além de ouropéis e imaginações.

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