“TEOLOGIA” - A DOUTRINA DE DEUS
A Existência de Deus
“Como sabemos que Deus existe? A resposta pode ser dada em duas partes: primeira, todas as
pessoas têm uma intuição íntima de Deus. Segunda, cremos nas provas encontradas nas
Escrituras e na natureza”.
Todas as pessoas de qualquer lugar têm uma profunda intuição íntima de que Deus existe, de
que são criaturas de Deus e de que ele é seu Criador. Paulo diz que mesmo os gentios
descrentes tinham “conhecimento de Deus”, mas não o honravam como Deus nem lhe eram
gratos (Rm 1.21).
Na vida do cristão essa íntima consciência de Deus se torna mais forte e mais distinta.
Além da consciência íntima de Deus, que dá claro testemunho do fato de que ele existe,
encontramos claras evidências da sua existência nas Escrituras e na natureza.
As provas de que Deus existe se encontram, logicamente, disseminadas por toda a Bíblia. De
fato, a Bíblia sempre pressupõe que Deus existe.
Além das provas encontradas na existência dos seres humanos, há outra excelente evidência
na natureza. Quem olha para o céu, de dia ou de noite, vê o sol, a lua e as estrelas, o
firmamento e as nuvens, todos declarando continuamente pela sua existência, beleza e
grandeza que foi um Criador poderoso e sábio quem os fez e os sustém na sua ordem.
As “provas” tradicionais da existência de Deus, arquitetadas por filósofos cristãos (e alguns
não cristãos) de várias épocas da história, são de fato tentativas de analisar as evidências,
especialmente as evidências da natureza, de modos extremamente cuidadosos e logicamente
precisos, a fim de convencer as pessoas de que não é racional rejeitar a idéia de que Deus
existe.
A maior parte das provas tradicionais da existência de Deus pode ser classificada em quatro
tipos importantes de argumento:
1. O argumento cosmológico considera o fato de que toda coisa conhecida do universo tem
uma causa.
2. O argumento teleológico é na verdade uma subcategoria do argumento cosmológico. Como
o universo parece ter sido planejado com um propósito, deve necessariamente existir um Deus
inteligente e determinado que o criou para funcionar assim.
3. O argumento ontológico parte da idéia de Deus, definido como um ser “maior do que
qualquer coisa que se possa imaginar”.
4. O argumento moral parte do senso humano do certo e do errado, e da necessidade da
imposição da justiça, e raciocina que deve necessariamente existir um Deus que seja a fonte
do certo e do errado e que vá algum dia impor a justiça a todas as pessoas.
Como todos esses argumentos se baseiam em fatos sobre a criação que realmente são
verdadeiros, podemos dizer que todas essas provas (quando cuidadosamente formuladas) são,
num sentido objetivo, provas válidas porque avaliam corretamente as evidências e ponderam
com acerto, chegando a uma conclusão verdadeira: de fato, o universo realmente tem Deus
como causa, realmente dá provas de um planejamento deliberado, Deus realmente existe
como ser maior do que qualquer coisa que se possa imaginar e ele realmente nos deu um
senso do certo e do errado e um senso de que seu juízo virá algum dia.
Mas noutro sentido, se “válido” significa “capaz de conseguir que todos concordem, mesmo
aqueles que partem de falsos pressupostos”, então é claro que nenhuma das provas é válida,
pois nenhuma delas é capaz de fazer que todos aqueles que as ponderam acabem
concordando.
Finalmente, é preciso lembrar que neste mundo pecador Deus precisa possibilitar que nos
convençamos, senão jamais creríamos nele. Lemos que “o deus deste século cegou o
entendimento dos incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz do evangelho da glória de
Cristo” (2Co 4.4).
A Cognoscibilidade (Conhecimento) de Deus
Se pretendemos conhecer a Deus, antes é necessário que ele se revele a nós. Paulo diz que o
que podemos conhecer sobre Deus está claro às pessoas “porque Deus lhes manifestou” (Rm
1.19).
Quando falamos do conhecimento pessoal de Deus, que vem pela salvação, essa idéia fica
ainda mais explícita. Disse Jesus: “Ninguém conhece o Filho, senão o Pai; e ninguém conhece
o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar” (Mt 11.27).
A necessidade de Deus revelar-se a nós também se percebe no fato de que o pecador
interpreta erroneamente a revelação de Deus encontrada na natureza. Portanto, precisamos das
Escrituras para interpretar corretamente a revelação natural. Por conseguinte, dependemos da
ativa comunicação divina nas Escrituras para alcançar verdadeiro conhecimento de Deus.
Como Deus é infinito, e nós, finitos e limitados, jamais poderemos compreender plenamente e
exaustivamente a Deus. Diz o salmo 145: “Grande é o SENHOR e mui digno de ser louvado; a
sua grandeza é insondável” (Sl 145.3). Jamais seremos capazes de medir ou conhecer
plenamente o entendimento de Deus: é imenso demais para que o igualemos ou entendamos.
Assim, podemos conhecer algo do amor, do poder, da sabedoria, etc., de Deus. Mas jamais
poderemos conhecer completa ou exaustivamente o seu amor. Jamais poderemos conhecer
exaustivamente o seu poder. Jamais poderemos conhecer exaustivamente a sua sabedoria, etc.
Essa doutrina da incompreensibilidade de Deus tem muita aplicação positiva para nossa vida.
Significa que jamais seremos capazes de conhecer “demais” sobre Deus, pois jamais nos
faltarão coisas para aprender sobre ele, e assim nunca nos cansaremos de nos deleitar com a
descoberta de mais e mais coisas da sua excelência e da grandeza das suas obras.
Se desejássemos um dia nos igualar a Deus em conhecimento, ou se desejássemos encontrar
prazer no pecado do orgulho intelectual, o fato de que jamais cessaremos de crescer no
conhecimento de Deus seria para nós fator desencorajador — poderíamos sentir-nos
frustrados pelo fato de Deus se revelar um objeto de estudo que jamais poderemos dominar!
Mas se nos deleitamos no fato de que só Deus é Deus, de que ele é sempre infinitamente
maior do que nós, de que somos criaturas dele, que lhe devemos culto e adoração, então essa
nos será uma idéia bastante encorajadora.
Embora não possamos conhecer exaustivamente a Deus, podemos conhecer coisas
verdadeiras sobre ele. De fato, tudo o que as Escrituras nos falam sobre Deus é verdadeiro. É
verdade dizer que Deus é amor (1Jo 4.8), que Deus é luz (1Jo 1.5), que Deus é espírito (Jo
4.24), que Deus é justo ou reto (Rm 3.26) e assim por diante. Podemos conhecer alguns
pensamentos de Deus — até muitos deles — com base na Bíblia, e quando os conhecemos,
como Davi, os consideramos “preciosos” (Sl 139.17).
Ainda mais significativo é perceber que conhecemos o próprio Deus, e não meramente fatos
sobre ele ou atos que ele executa. Aqui Deus diz que a fonte da nossa alegria e da nossa noção
de importância deve vir não das nossas capacidades ou posses, mas do fato de conhecê-lo.
O fato de conhecermos o próprio Deus é demonstrado ainda pela percepção de que a riqueza
da vida cristã envolve um relacionamento pessoal com Deus. Falamos com Deus em oração, e
ele fala conosco pela sua Palavra. Temos comunhão com ele na sua presença, entoamos seus
louvores e temos consciência de que ele pessoalmente habita no meio de nós e dentro de nós
para nos abençoar (Jo 14.23). De fato, pode-se dizer que esse relacionamento pessoal com
Deus Pai, com Deus Filho e com Deus Espírito Santo é a maior de todas as bênçãos da vida
cristã.
O Caráter de Deus: Atributos “Incomunicáveis”
A. Introdução ao estudo do Caráter de Deus
1. Classificação dos atributos de Deus.
Quando falamos sobre o caráter de Deus, percebemos que não podemos dizer ao mesmo
tempo tudo o que a Bíblia nos ensina sobre o caráter dele.
Os atributos chamados “incomunicáveis” têm sua melhor definição quando dizemos que são
os atributos divinos de que menos participamos. Nenhum dos atributos incomunicáveis de
Deus deixa de ter alguma semelhança no caráter dos seres humanos.
Vamos usar então as duas categorias de atributos, “incomunicáveis” e “comunicáveis”, com
plena consciência porém de que não são classificações absolutamente precisas e de que existe
na realidade muita sobreposição entre elas.
2. Os nomes de Deus nas Escrituras.
Na Bíblia o nome de uma pessoa é uma descrição do seu caráter. Da mesma forma, os nomes
bíblicos de Deus são diversas descrições do seu caráter. Em certo sentido, todas essas
expressões do caráter de Deus em termos de coisas encontráveis no universo são “nomes” de
Deus, pois nos dizem algo verdadeiro sobre ele.
Usando um termo mais técnico, podemos dizer que em tudo o que as Escrituras dizem a
respeito de Deus usa-se linguagem antropomórfica — ou seja, linguagem que fala de Deus
em termos humanos. Cada descrição de cada um dos atributos divinos deve ser compreendida
à luz de tudo o mais que as Escrituras nos dizem sobre Deus. Se não nos lembrarmos disso,
inevitavelmente compreenderemos erradamente o caráter de Deus.
Existe ainda uma terceira razão para destacar a grande diversidade de descrições de Deus
tiradas da experiência humana e do mundo natural. Essa linguagem deve-nos lembrar de que
Deus criou o universo para que este revelasse a excelência do caráter divino, ou seja, para
que revelasse a glória divina.
A compreensão do caráter divino segundo as Escrituras deve abrir nossos olhos e nos permitir
interpretar corretamente a criação.
É preciso lembrar que, embora tudo o que as Escrituras nos dizem sobre Deus seja verdadeiro,
não é exaustivo. Deus tem muitos nomes porque conhecemos muitas descrições verdadeiras
do seu caráter com base nas Escrituras; mas Deus não tem nome nenhum, pois jamais
poderemos descrever ou compreender a plenitude do seu caráter.
3. Definições equilibradas dos atributos incomunicáveis de Deus.
Os atributos incomunicáveis de Deus são talvez os mais fáceis de compreender
equivocadamente, talvez porque representam aspectos do caráter divino menos familiares à
nossa experiência. A primeira parte define o atributo em discussão, e a segunda procura evitar
a compreensão equivocada do atributo, expondo um aspecto de equilíbrio ou contrário
associado a esse atributo. A imutabilidade de Deus, por exemplo, é definida assim: “Deus é
imutável no seu ser, nas suas perfeições, nos seus propósitos e nas suas promessas; porém,
Deus age, e age de modos diversos diante de situações diferentes”. A segunda metade da
definição procura evitar a idéia de que imutabilidade significa incapacidade total de ação.
Alguns de fato entendem assim a imutabilidade, mas tal compreensão é incompatível com a
apresentação bíblica da imutabilidade de Deus.
Quais são os atributos incomunicáveis de Deus:
1. Independência.
Deus não precisa de nós nem do restante da criação para nada; porém, tanto nós quanto o
restante da criação podemos glorificá-lo e dar-lhe alegria. Esse atributo de Deus é às vezes
chamado existência autônoma ou aseidade (das palavras latinas a se, que significam “de si
mesmo”).
Deus é absolutamente independente e auto-suficiente.
2. Imutabilidade.
Deus é imutável no seu ser, nas suas perfeições, nos seus propósitos e nas suas promessas;
porém, Deus age e sente emoções, e age e sente de modos diversos diante de situações
diferentes. Esse atributo de Deus é também chamado inalterabilidade.
a. Evidências nas Escrituras: no salmo 102, encontramos um contraste entre coisas que
podemos julgar permanentes, como a terra ou os céus, de um lado, e Deus, do outro. Deus
existia antes da criação dos céus e da terra e existirá muito depois da destruição dessas coisas.
Deus faz mudar o universo, mas, contrastando com essa mudança, ele é “o mesmo”.
b. Será que Deus às vezes muda de idéia? Se, porém, falamos que Deus é imutável nos seus
propósitos, surpreendemo-nos intrigados diante de passagens bíblicas em que Deus diz que
julgaria o seu povo, mas depois, por causa de orações ou do arrependimento do povo (ou
ambas as coisas), acaba-se apiedando e não condena como dissera que o faria.
c. A questão da impassibilidade de Deus. Às vezes, discutindo os atributos divinos, os
teólogos falam noutro atributo, a saber, a impassibilidade de Deus. Esse atributo, se
verdadeiro, significaria que Deus não tem paixões nem emoções, mas é “impassível”, não
sujeito a paixões.
d. O desafio da teologia do processo. A imutabilidade de Deus tem sido negada
freqüentemente nos últimos anos pelos defensores da teologia do processo, uma posição
teológica que afirma que o processo e a mudança são aspectos essenciais da existência
genuína, e que portanto, Deus também deve necessariamente mudar com o tempo, como
qualquer outra coisa que existe.
e. Deus é ao mesmo tempo infinito e pessoal. Nossa discussão da teologia do processo ilustra
uma diferença comum entre o cristianismo bíblico e todos os outros sistemas teológicos. No
ensinamento da Bíblia, Deus é ao mesmo tempo infinito e pessoal: ele é infinito porque não
está sujeito a nenhuma das limitações da humanidade, ou da criação em geral. É bem maior
do que qualquer coisa que tenha feito, bem maior do que qualquer coisa que exista.
f. A importância da imutabilidade de Deus. De início pode não parecer muito importante para
nós afirmar a imutabilidade de Deus. A idéia é tão abstrata que talvez não percebamos
imediatamente a sua importância. Mas a importância dessa doutrina ficaria mais clara se
parássemos um instante para imaginar o que aconteceria se Deus pudesse mudar.
3. Eternidade.
A eternidade de Deus pode ser definida assim: Deus não tem princípio nem fim nem sucessão
de momentos no seu próprio ser, e percebe todo o tempo com igual realismo; ele, porém,
percebe os acontecimentos no tempo e age no tempo.
Às vezes essa doutrina é chamada doutrina da infinitude de Deus com respeito ao tempo. Ser
“infinito” é ser “ilimitado”, e a doutrina ensina que o tempo não impõe limites a Deus.
a. Deus é eterno no seu próprio ser. O fato de Deus não ter princípio nem fim está explícito
em Salmos 90.2: “Antes que os montes nascessem e se formassem a terra e o mundo, de
eternidade a eternidade, tu és Deus”. Do mesmo modo, em Jó 36.26, Eliú diz sobre Deus: “…
o número dos seus anos não se pode calcular”.
A eternidade de Deus é também afirmada por passagens que abordam o fato de que Deus
sempre é ou existe. “Eu sou o Alfa e o Ômega, diz o Senhor Deus, aquele que é, que era e que
há de vir, o Todo-poderoso” (Ap 1.8; cf. 4.8).
b. Deus percebe todo o tempo com igual realismo. É em certo sentido mais fácil para nós
compreender que Deus percebe todo o tempo com igual realismo. Lemos em Salmos 90.4:
“Pois mil anos, aos teus olhos, são como o dia de ontem que se foi e como a vigília da noite”.
c. Deus percebe os acontecimentos no tempo e age no tempo. Todavia, dito isso, para evitar
uma compreensão equivocada é preciso completar a definição da eternidade de Deus: “… ele,
porém, percebe os acontecimentos no tempo e age no tempo”. Paulo escreve: “… vindo,
porém, a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei,
para resgatar os que estavam sob a lei” (Gl 4.4-5).
d. Sempre existiremos no tempo. Será que algum dia participaremos da eternidade de Deus?
Especificamente, no novo céu e na nova terra que hão de vir, será que o tempo ainda existirá?
Alguns supõem que não. E lemos nas Escrituras: “A cidade não precisa nem do sol, nem da
lua, para lhe darem claridade, pois a glória de Deus a iluminou, e o Cordeiro é a sua lâmpada
[…] porque, nela, não haverá noite” (Ap 21.23, 25; cf. 22.5).
4. Onipresença.
Assim como Deus é ilimitado ou infinito com respeito ao tempo, também é ilimitado com
respeito ao espaço. Essa característica da natureza de Deus é chamada onipresença divina (o
prefixo latino o[m]ni- significa “tudo”). A onipresença de Deus pode ser assim definida: Deus
não tem tamanho nem dimensões espaciais e está presente em cada ponto do espaço com todo
o seu ser; ele, porém, age de modos diversos em lugares diferentes.
a. Deus está presente em todo lugar. Há, porém, determinadas passagens que falam da
presença de Deus em toda parte do espaço. Lemos em Jeremias: “Acaso, sou Deus apenas de
perto, diz o SENHOR, e não também de longe? Ocultar-se-ia alguém em esconderijos, de modo
que eu não o veja? — diz o SENHOR; porventura, não encho eu os céus e a terra? — diz o
SENHOR” (Jr 23.23-24). Deus aqui repreende os profetas que pensam que suas palavras ou
pensamentos ficam ocultos de Deus. Ele está em todo lugar e enche o céu e a terra.
b. Deus não tem dimensões espaciais. Embora para nós pareça necessário dizer que todo o ser
de Deus está presente em toda parte do espaço, ou em cada ponto do espaço, é também
necessário dizer que Deus não pode ser contido por espaço nenhum, por maior que seja.
Salomão diz na sua oração a Deus: “Mas, de fato, habitaria Deus na terra? Eis que os céus e
até o céu dos céus não te podem conter, quanto menos esta casa que eu edifiquei” (1Rs 8.27).
c. Deus pode estar presente para punir, sustentar ou abençoar. A idéia da onipresença de Deus
às vezes perturba as pessoas, que se perguntam como Deus pode estar presente, por exemplo,
no inferno. De fato, não é o inferno o oposto da presença de Deus, ou a ausência de Deus? A
dificuldade pode ser resolvida pela percepção de que Deus está presente de modos diversos
em lugares diferentes, ou de que Deus age diferentemente em locais distintos da sua criação.
5. Unidade.
A unidade de Deus pode ser definida desta forma: Deus não está dividido em partes; porém
percebemos atributos diversos de Deus enfatizados em momentos diferentes. Esse atributo de
Deus é também denominado simplicidade divina, empregando simples no sentido menos
comum de “não complexo” ou “não composto de partes”. Mas como a palavra simples hoje
tem o sentido mais comum de “fácil de compreender” e “simplório ou insensato”, é mais
proveitoso agora falar da “unidade” de Deus em vez da sua “simplicidade”.
O Caráter de Deus: Atributos “Comunicáveis”
A lista de atributos dada aqui na categoria “comunicáveis” nada tem de incomum, mas
compreender a definição de cada atributo é mais importante do que ser capaz de classificá-los
exatamente da maneira apresentada neste livro.
Este capítulo divide os atributos “comunicáveis” de Deus em cinco categorias principais,
sendo os atributos relacionados dentro de cada categoria.
Desta forma os atributos descrevem o ser de Deus são:
1. Espiritualidade.
As pessoas muitas vezes se perguntam do que Deus é feito. A resposta das Escrituras é que
“Deus é espírito” (Jo 4.24). Essa afirmação é feita por Jesus no contexto de uma discussão
com a samaritana ao lado da fonte. Assim, não devemos pensar que Deus tem tamanho ou
dimensões, mesmo que infinitas (ver a discussão sobre a onipresença de Deus no capítulo
anterior).
2. Invisibilidade.
Ligado à espiritualidade de Deus está o fato de que Deus é invisível. Porém também
precisamos falar das formas visíveis nas quais Deus se manifesta. A invisibilidade de Deus
pode ser definida assim: dizer que Deus tem como atributo a invisibilidade é dizer que a
essência integral de Deus, todo o seu ser espiritual, jamais poderá ser vista por nós, embora
Deus se revele a nós por meio de coisas visíveis, criadas.
3. Conhecimento (onisciência).
O conhecimento de Deus pode ser definido assim: Deus conhece plenamente a si mesmo e
todas as coisas reais e possíveis num ato simples e eterno.
A definição dada acima explica a onisciência com mais detalhes. Diz primeiro que Deus
conhece plenamente a si mesmo. Trata-se de um fato espantoso, pois o próprio ser divino é
infinito ou ilimitado.
4. Sabedoria.
Dizer que Deus tem sabedoria significa dizer que ele sempre escolhe as melhores metas e os
melhores meios para alcançar essas metas. Essa definição vai além da idéia de que Deus
conhece todas as coisas, e especifica que as decisões divinas quanto ao que fará são sempre
sábias, ou seja, sempre trazem os melhores resultados (do ponto de vista absoluto de Deus), e
trazem esses resultados pelos melhores meios possíveis.
5. Veracidade (e fidelidade).
A veracidade divina implica que ele é o Deus verdadeiro, e que todo o seu conhecimento e
todas as suas palavras são ao mesmo tempo verdadeiros e o parâmetro definitivo da verdade.
O termo fidedignidade, que significa “veracidade” ou “confiabilidade”, é às vezes usado
como sinônimo da veracidade divina.
6. Bondade.
A bondade de Deus implica que ele é o parâmetro definitivo do que é bom, e que tudo o que
Deus é e faz é digno de aprovação.
Nessa definição, vemos uma situação semelhante à que encontramos na definição de Deus
como o Deus verdadeiro. Aqui, “bom” pode ser interpretado como “digno de aprovação”, mas
ainda falta responder à seguinte pergunta: aprovação de quem? Em certo sentido, podemos
dizer que qualquer coisa que seja verdadeiramente boa deve ser digna da nossa aprovação.
Mas num sentido mais absoluto, não somos livres para decidir por contra própria o que é
digno de aprovação e o que não o é. Em última análise, portanto, o ser e os atos de Deus são
perfeitamente dignos da sua própria aprovação.
7. Amor.
Dizer que Deus tem o amor como atributo é dizer que ele se doa eternamente aos outros.
Essa definição interpreta o amor como uma doação de si mesmo em benefício dos outros.
Esse atributo de Deus mostra que faz parte da sua natureza doar-se a fim de distribuir bênçãos
ou o bem aos outros.
João nos diz que “Deus é amor” (1Jo 4.8). Temos sinais de que esse atributo de Deus já
existia antes da criação entre os membros da Trindade. Jesus fala ao Pai da “glória que me
conferiste, porque me amaste antes da fundação do mundo” (Jo 17.24), indicando assim que o
Pai já amava e honrava o Filho desde a eternidade. E continua até hoje, pois lemos: “O Pai
ama ao Filho, e todas as coisas tem confiado às suas mãos” (Jo 3.35).
8. Misericórdia, graça, paciência.
A misericórdia, a paciência e a graça divinas podem ser tidas como três atributos separados ou
como aspectos particulares da bondade de Deus. As definições dadas aqui apresentam esses
atributos como casos especiais da bondade de Deus quando empregada em benefício de
categorias específicas de pessoas.
A misericórdia de Deus é a bondade divina para com os angustiados e aflitos.
A graça de Deus é a bondade divina para com os que só merecem castigo.
A paciência de Deus é a bondade divina no sustar a punição daqueles que persistem no
pecado por determinado tempo.
9. Santidade.
Dizer que Deus tem como atributo a santidade é dizer que ele é separado do pecado e dedicase
a buscar a sua própria honra. Essa definição contém ao mesmo tempo uma qualidade
relacional (separação de) e uma qualidade moral (a separação é do pecado ou do mal, e a
dedicação é em prol da própria honra ou glória de Deus). A idéia de santidade, abarcando
tanto a separação do mal quanto a dedicação de Deus à sua própria glória, encontra-se em
várias passagens do Antigo Testamento.
10. Paz (ou ordem).
Em 1Coríntios 14.33, Paulo diz: “Deus não é de confusão, e sim de paz”. Embora “paz” e
“ordem” não sejam tradicionalmente classificadas como atributos divinos, Paulo aqui sugere
outra qualidade que poderíamos conceber como atributo distinto de Deus. Paulo diz que os
atos de Deus se caracterizam pela “paz” e não pela “desordem” (gr. akatastasia, palavra que
significa “desordem, confusão, inquietude”).
11. Retidão, justiça.
Em português as palavras retidão e justiça são duas palavras distintas, mas tanto no Antigo
Testamento hebraico quanto no Novo Testamento grego, só há uma palavra por trás desses
dois termos. (No Antigo Testamento, esses termos traduzem principalmente as várias formas
da palavra tsedek e, no Novo Testamento, as várias formas da palavra dikaios). Portanto,
consideraremos que esses dois termos designam um único atributo divino.
12. Zelo.
Tem o significado de estar alguém profundamente comprometido com a busca da honra ou do
bem-estar de outrem ou de si mesmo. Diz Paulo aos coríntios: “Zelo por vós com zelo de
Deus” (2Co 11.2). Aqui o sentido é “empenhado na proteção e na vigília”.
As Escrituras apresentam-nos um Deus zeloso, nesse sentido do termo. Ele contínua e
sinceramente busca proteger a sua própria honra. Ordena que seu povo não se prostre perante
ídolos, nem os sirva, dizendo: “… porque eu sou o SENHOR, teu Deus, Deus zeloso” (Êx 20.5).
13. Ira.
Talvez nos surpreenda perceber que a Bíblia fala com muita freqüência da ira de Deus.
Porém, se Deus ama tudo o que é certo e bom, e tudo o que se conforma ao seu caráter moral,
então não deve admirar que ele odeie tudo o que se opõe ao seu caráter moral. A ira de Deus
diante do pecado está portanto intimamente associada à santidade e à justiça de Deus. A ira de
Deus pode ser definida assim: dizer que a ira é atributo de Deus é dizer que ele odeia
intensamente todo o pecado.
14. Vontade.
A vontade de Deus é o atributo por meio do qual ele aprova e decide executar todo ato
necessário para a existência e para a atividade de si mesmo e de toda a criação.
Essa definição indica que a vontade de Deus tem que ver com a decisão e com a aprovação
das coisas que Deus é e faz. Envolve as escolhas divinas do que fazer e do que não fazer.
a. A vontade de Deus em geral. As Escrituras freqüentemente indicam a vontade de Deus
como razão definitiva ou absoluta para qualquer coisa que acontece. Paulo se refere a Deus
como aquele “que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade” (Ef 1.11).
b. Distinções nos aspectos da vontade de Deus:
(1) vontade necessária e vontade livre. Algumas distinções já traçadas no passado
podem-nos ajudar a compreender diversos aspectos da vontade de Deus. Assim
como podemos querer ou escolher algo com anseio ou relutância, com alegria ou
arrependimento, em segredo ou publicamente, também Deus, na infinita grandeza
da sua personalidade, é capaz de querer coisas diferentes de modos diversos.
(2) Vontade secreta e vontade revelada. Outra distinção proveitosa aplicada aos
diferentes aspectos da vontade divina é a que se faz entre a vontade secreta e a
vontade revelada de Deus. Mesmo na nossa experiência sabemos que somos
capazes de desejar algumas coisas secretamente, e só mais tarde revelar essa
vontade aos outros. Às vezes contamos aos outros antes que a coisa desejada surja
ou aconteça; noutras vezes revelamos o segredo só quando o acontecimento
desejado já ocorreu.
15. Liberdade.
A liberdade de Deus é o atributo por meio do qual ele faz o que lhe apraz. Essa definição
implica que nada em toda a criação pode impedir que Deus execute a sua vontade. Esse
atributo de Deus está portanto intimamente associado à sua vontade e ao seu poder. Mas esse
aspecto da liberdade concentra-se no fato de Deus não se ver cerceado por nada que lhe seja
exterior e de ser ele livre para fazer o que desejar. Não há pessoa ou força que possa ditar a
Deus o que fazer. Ele não está debaixo de nenhuma autoridade nem de nenhuma limitação
exterior.
16. Onipotência (poder, soberania).
A onipotência é o atributo de Deus que lhe permite fazer tudo o que for da sua santa vontade.
A palavra onipotência vem de dois termos latinos, omni, “todo”, e potens, “poderoso”,
significando portanto “todo-poderoso”. Enquanto a liberdade de Deus se refere ao fato de não
haver constrangimentos exteriores às decisões de Deus, a onipotência divina refere-se ao seu
próprio poder de fazer o que decidir fazer.
17. Perfeição.
A perfeição é o atributo divino que permite que Deus possua com excelência absolutamente
todas as qualidades e não careça de nenhum aspecto dessas qualidades que lhe seja
desejável.
É difícil decidir se isso deve ser tido como atributo isolado ou simplesmente incluído na
descrição dos outros. Algumas passagens dizem que Deus é “perfeito” ou “completo”. Diznos
Jesus: “Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste” (Mt 5.48).
18. Bem-aventurança.
Ser “bem-aventurado” ou “bendito” é ser feliz num sentido bastante pleno e magnífico.
Freqüentemente as Escrituras falam da bem-aventurança das pessoas que andam nos
caminhos de Deus. Em 1Timóteo, porém, Paulo denomina a Deus “bendito e único
Soberano” (1Tm 6.15) e fala do “evangelho da glória do Deus bendito” (1Tm 1.11). Em
ambos os casos a palavra não é eulogêtos (muitas vezes traduzida como “bendito”), mas
makarios (que significa “feliz”).
19. Beleza.
A beleza é o atributo divino por meio do qual Deus se revela a soma de todas as qualidades
desejáveis. Esse atributo divino está implícito em vários dos atributos anteriores e é
especialmente associado à perfeição de Deus. Porém, a perfeição de Deus foi definida de uma
forma que mostra que ele não carece de nada que lhe seria desejável. Este atributo, a beleza,
se define de uma maneira positiva, para mostrar que Deus de fato possui todas as qualidades
desejáveis: “perfeição” significa que Deus não carece de nada desejável; “beleza” significa
que Deus tem tudo o que é desejável. São duas formas diferentes de declarar a mesma
verdade.
20. Glória.
Num dos seus sentidos a palavra glória significa simplesmente “honra” ou “reputação
excelente”. Esse é o significado do termo em Isaías 43.7, em que Deus fala dos seus filhos,
“que criei para minha glória”, ou em Romanos 3.23, que diz que “todos pecaram e carecem da
glória de Deus”. Noutro sentido, a “glória” de Deus significa a clara luz que circunda a
presença de Deus. Como Deus é espírito, e não energia nem matéria, essa luz visível não faz
parte do ser divino, mas é algo criado. Podemos defini-la assim: a glória de Deus é o brilho
criado que circunda a revelação do próprio Deus.
Deus em Três Pessoas: a Trindade
A – A DOUTRINA DA TRINDADE REVELA-SE PROGRESSIVAMENTE NAS ESCRITURAS
É importante lembrar a doutrina da Trindade em relação com o estudo dos atributos de Deus.
Quando concebemos a Deus como ser eterno, onipresente, onipotente e assim por diante,
talvez tenhamos a tendência, em relação a esses atributos, de concebê-lo apenas como Deus
Pai. Mas o ensinamento bíblico sobre a Trindade nos diz que todos os atributos de Deus
valem para as três pessoas, pois cada uma delas é plenamente
Podemos definir a doutrina da Trindade do seguinte modo: Deus existe eternamente como três
pessoas — Pai, Filho e Espírito Santo — e cada pessoa é plenamente Deus, e existe só um
Deus.
1. A revelação parcial no Antigo Testamento.
A palavra Trindade não se encontra na Bíblia, embora a idéia representada pela palavra seja
ensinada em muitos trechos. Trindade significa “tri-unidade” ou “três-em-unidade”. É usada
para resumir o ensinamento bíblico de que Deus é três pessoas, porém um só Deus.
Às vezes se pensa que a doutrina da Trindade se encontra somente no Novo Testamento, e
não no Antigo. Se Deus existe eternamente como três pessoas, seria surpreendente não
encontrar indicações disso no Antigo Testamento. Embora a doutrina da Trindade não se ache
explicitamente no Antigo Testamento, várias passagens dão a entender ou até implicam que
Deus existe como mais de uma pessoa.
2. A revelação mais completa da Trindade no Novo Testamento.
Quando começa o Novo Testamento, entramos na história da vinda do Filho de Deus à terra.
Era de esperar que esse grande acontecimento se fizesse acompanhar de ensinamentos mais
explícitos sobre a natureza trinitária de Deus, e de fato é isso que encontramos. Antes de
analisar a questão com pormenores, podemos simplesmente listar várias passagens em que as
três pessoas da Trindade são mencionadas juntas.
B. Três Declarações que Resumem o Ensino Bíblico
Em certo sentido a doutrina da Trindade é um mistério que jamais seremos capazes de
entender plenamente. Podemos, todavia, compreender parte da sua verdade resumindo o
ensinamento das Escrituras em três declarações:
a. Deus é três pessoas.
b. Cada pessoa é plenamente Deus.
c. Há só um Deus.
1. Deus é três pessoas.
O fato de ser Deus três pessoas significa que o Pai não é o Filho; são pessoas distintas.
Significa também que o Pai não é o Espírito Santo, mas são pessoas distintas. E significa que
o Filho não é o Espírito Santo. Essas distinções se mostram em várias das passagens citadas
na seção anterior, bem como em muitas outras passagens do Novo Testamento.
2. Cada pessoa é plenamente Deus.
Além do fato de serem as três pessoas distintas, as Escrituras também dão farto testemunho de
que cada pessoa é plenamente Deus.
Primeiro, Deus Pai é claramente Deus. Isso se evidencia desde o primeiro versículo da Bíblia,
no qual Deus cria o céu e a terra. É evidente em todo o Antigo e no Novo Testamento, nos
quais Deus Pai é retratado nitidamente como Senhor soberano de tudo e onde Jesus ora ao seu
Pai celeste.
Também, o Filho é plenamente Deus. Embora esse ponto seja desenvolvido com mais
pormenores no capítulo 26 (“A Pessoa de Cristo”), podemos aqui mencionar de passagem
vários trechos explícitos. João 1.1-4
Além disso, o Espírito Santo é também plenamente Deus. Uma vez que entendamos que Deus
Pai e Deus Filho são plenamente Deus, então as expressões trinitárias em versículos como
Mateus 28.19 (“batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”) se revestem
de relevância para a doutrina do Espírito Santo, pois mostram que o Espírito Santo está
classificado no mesmo nível do Pai e do Filho.
3. Só há um Deus.
As Escrituras deixam bem claro que só existe um único Deus. As três diferentes pessoas da
Trindade são um não apenas em propósito e em concordância no que pensam, mas um em
essência, um na sua natureza essencial. Em outras palavras, Deus é um só ser. Não existem
três Deuses. Só existe um Deus.
4. As soluções simplistas necessariamente negam um dos ensinamentos bíblicos.
Agora temos três proposições, todas elas ensinadas nas Escrituras.
1. Deus é três pessoas.
2. Cada pessoa é plenamente Deus.
3. Só há um Deus.
5. Todas as analogias têm falhas.
Se não podemos adotar nenhuma dessas soluções simplistas, então como juntar as três
verdades bíblicas para assim sustentar a doutrina da Trindade? As pessoas já usaram várias
analogias retiradas da natureza ou da experiência humana para tentar explicar essa doutrina.
Embora tais analogias sejam úteis num nível elementar de compreensão, todas elas se revelam
inadequadas ou ilusórias numa reflexão mais aprofundada.
6. Deus existe eterna e necessariamente como Trindade.
Quando o universo foi criado, Deus Pai proferiu as potentes palavras criadoras que o geraram;
Deus Filho foi o agente divino que executou essas palavras (Jo 1.3; 1Co 8.6; Cl 1.16; Hb 1.2)
e o Espírito de Deus “pairava por sobre as águas” (Gn 1.2). Então é como seria de esperar: se
os três membros da Trindade são igual e plenamente divinos, então todos eles existiram desde
a eternidade, e Deus sempre existiu eternamente como Trindade (cf. também Jo 17.5, 24).
c. A negação de qualquer uma dessas três proposições que resumem o ensino bíblico
sempre gerou erros
1. O modalismo
Afirma que existe só uma única pessoa, que se revela a nós de três diferentes formas (ou
“modos”). Em momentos distintos da história alguns pregaram que Deus não é de fato três
pessoas diferentes, mas uma única pessoa que se revela às pessoas de “modos” diversos em
momentos diferentes. Por exemplo, o Deus do Antigo Testamento se revelou como “Pai”. Nos
evangelhos, essa mesma pessoa divina se revelou como “Filho”, na vida e no ministério de
Jesus. Depois do Pentecostes, essa mesma pessoa então se revelou como o “Espírito” ativo na
igreja.
2. O arianismo
Nega a plena divindade do Filho e do Espírito Santo.
a. A controvérsia ariana. O termo arianismo vem de Ário, bispo de Alexandria, cujas opiniões
foram condenadas no Concílio de Nicéia em 325 d.C., e que morreu em 336 d.C. Ário
pregava que Deus Filho foi em dado momento criado por Deus Pai e que antes desse
momento o Filho não existia, nem o Espírito Santo, mas somente o Pai. Assim, embora o
Filho seja um ser celeste anterior ao resto da criação e bem maior do que todo o resto da
criação, ele não se iguala ao Pai em todos os seus atributos — pode-se até dizer que é “igual
ao Pai” ou “semelhante ao Pai” na sua natureza, mas não se pode dizer que é “da mesma
natureza” do Pai.
b. Subordinacionismo. Ao afirmar que o Filho era da mesma natureza do Pai, a igreja
primitiva também excluiu outra falsa doutrina correlata: o subordinacionismo. Enquanto o
arianismo sustentava que o Filho era criado e não divino, o subordinacionismo defendia que o
Filho era eterno (não criado) e divino, mas ainda assim não igual ao Pai no seu ser e nos seus
atributos — o Filho era inferior ou “subordinado” no seu ser a Deus Pai.2 7 Orígenes (c. 185
– c. 254 d.C.), um dos pais da igreja primitiva, advogava uma forma de subordinacionismo ao
sustentar que o Filho é inferior ao Pai no seu ser e que deriva eternamente o seu ser do Pai.
Orígenes tentava proteger a distinção de pessoas e escrevia antes da formulação clara da
doutrina da Trindade na igreja. O restante da igreja não o seguiu, mas claramente rejeitou o
seu ensinamento no Concílio de Nicéia.
c. Adocianismo. Antes de deixar para trás a discussão do arianismo, é preciso mencionar outra
falsa doutrina correlata. O “adocianismo” é a concepção de que Jesus viveu como homem
comum até seu batismo, quando Deus o “adotou” como “Filho”, conferindo-lhe poderes
sobrenaturais. Os adocianistas não concordariam que Cristo existia antes de ter nascido como
homem; portanto, não considerariam Cristo eterno, nem o enxergavam como o ser sublime e
sobrenatural criado por Deus, que era a crença dos arianos. Mesmo depois da “adoção” de
Jesus como “Filho” de Deus, eles não o julgavam detentor de uma natureza divina, mas
apenas um homem sublime que Deus chamava de “Filho” num sentido único.
d. A expressão filioque. Ao lado do Credo de Nicéia, importa mencionar breve-mente outro
capítulo infeliz da história da igreja, a saber, a controvérsia sobre a inserção da expressão
filioque no Credo de Nicéia, inserção que acabou gerando o cisma entre o cristianismo
ocidental (católico romano) e o cristianismo oriental (composto hoje por várias ramificações
dos ortodoxos orientais, como a Igreja Ortodoxa Grega, a Igreja Ortodoxa Russa, etc.) em
1054 d.C.
Filioque é uma expressão latina que significa “e do Filho”. Não foi incluída no Credo de
Nicéia, nem na primeira versão de 325 d.C. nem na segunda, de 381 d.C. Essas versões
diziam simplesmente que o Espírito Santo “procede do Pai”. Mas em 589 d.C., num concílio
regional da igreja em Toledo (região que hoje faz parte da Espanha), acrescentou-se a frase “e
do Filho”; assim, o credo então dizia que o Espírito Santo “procede do Pai e do Filho
(filioque)”. À luz de João 15.26 e 16.7, onde Jesus disse que enviaria o Espírito Santo ao
mundo, aparentemente não poderia haver objeção a tal frase se significasse que o Espírito
Santo procedeu do Pai e do Filho num momento determinado (especialmente no Pentecostes).
Mas trata-se de uma afirmação sobre a natureza da Trindade, e interpretou-se que a expressão
falava de uma relação eterna entre o Espírito Santo e o Filho, algo que as Escrituras jamais
abordam explicitamente. A forma do Credo de Nicéia que trazia essa expressão adicional
gradualmente alcançou aceitação geral e recebeu endosso oficial em 1017 d.C. Toda a
controvérsia complicou-se por conta da política eclesiástica e da luta pelo poder dentro da
igreja, e essa questão doutrinária aparentemente bem insignificante tornou-se o pomo de
discórdia no cisma entre o cristianismo oriental e o ocidental em 1054 d.C. (A questão política
subjacente, porém, era a relação da igreja oriental com a autoridade do papa.) A controvérsia
doutrinária e o cisma que gerou os dois ramos do cristianismo não foram solucionadas até
hoje.
e. A importância da doutrina da Trindade. Por que a igreja tanto se ocupou da doutrina da
Trindade? Será realmente essencial apegar-se à plena divindade do Filho e do Espírito Santo?
Certamente sim, pois esse ensinamento traz implicações para o próprio cerne da fé cristã. Em
primeiro lugar, está em jogo a expiação. Em segundo lugar, a justificação somente pela fé fica
ameaçada se negamos a plena divindade do Filho. Em terceiro lugar, se Jesus não é o Deus
infinito, será que devemos nos dirigir a ele em oração ou adorá-lo? Na verdade, se Jesus é
meramente uma criatura, por maior que seja, seria idolatria adorá-lo — e no entanto o Novo
Testamento nos ordena fazê-lo (Fp 2.9-11; Ap 5.12-14). Em quarto lugar, se alguém prega
que Cristo foi um ser criado e, mesmo assim, nos salvou, então esse ensinamento atribui
erroneamente o mérito da salvação a uma criatura, e não ao próprio Deus. Em quinto lugar, a
independência e a natureza pessoal de Deus estão em jogo: se a Trindade não existe, então
não houve relacionamentos interpessoais dentro do ser divino antes da criação, e, sem
relacionamento pessoais, é difícil entender como Deus poderia ser genuinamente pessoal ou
como não teria a necessidade da criação para com ela relacionar-se. Em sexto lugar, a unidade
do universo está em jogo: se não há pluralidade perfeita e unidade perfeita no próprio Deus,
então também não temos fundamento para pensar que possa existir alguma unidade última
entre os diversos elementos do universo.
3. O triteísmo nega que só existe um único Deus. Uma última forma possível de tentar uma
harmonização fácil do ensino bíblico sobre a Trindade seria negar que só existe um único
Deus. O resultado é dizer que Deus são três pessoas, e cada pessoa, plenamente Deus.
Portanto, existem três Deuses. Tecnicamente, essa concepção se denominaria “triteísmo”.
Quais as distinções entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo?
1. As pessoas da Trindade têm funções primordiais diferentes em relação ao mundo.
Quando as Escrituras abordam o modo como Deus se relaciona com o mundo, tanto na
criação quanto na redenção, afirmam que as pessoas da Trindade têm funções ou atividades
primordiais diferentes. Isso já foi chamado de “economia da Trindade”, sendo o termo
economia usado no sentido obsoleto de “ordenamento de atividades”.
2. As pessoas da Trindade existem eternamente como o Pai, o Filho e o Espírito Santo.
Não, não parece possível que essas coisas pudessem ocorrer, pois o papel de comandar, dirigir
e enviar é apropriado à posição do Pai, segundo a qual se molda toda paternidade humana (Ef
3.14-15). E o papel de obedecer, partindo quando o Pai o envia e revelando Deus a nós, é
apropriado ao papel do Filho, que é chamado Verbo de Deus (cf. Jo 1.1-5, 14, 18; 17.4; Fp
2.5-11). Esses papéis não poderiam ter sido trocados, senão o Pai deixaria de ser o Pai, e o
Filho deixaria de ser o Filho. E, por analogia com essa relação, podemos concluir que o papel
do Espírito Santo é igualmente apropriado à relação que ele já tinha com o Pai e o Filho antes
que o mundo fosse criado.Essas relações são eternas, e não algo que ocorreu somente no
tempo. Podemos deduzir isso primeiramente da imutabilidade de Deus (ver capítulo 11): se
Deus existe hoje como Pai, Filho e Espírito Santo, então ele sempre existiu como Pai, Filho e
Espírito Santo.
3. Qual a relação entre as três pessoas e o ser de Deus?
Primeiro,é importante afirmar que cada pessoa é completa e plenamente Deus; ou seja, que
cada pessoa tem em si a absoluta plenitude do ser divino. Por outro lado, precisamos dizer que
as pessoas são reais, que não são apenas modos diferentes de enxergar o ser único de Deus.
(Isso seria modalismo ou sabelianismo, como já vimos acima.)
4. Será que podemos compreender a doutrina da Trindade?
Os erros cometidos no passado devem-nos servir de alerta. Todos eles surgiram de tentativas
de simplificar a doutrina da Trindade para torná-la completamente inteligível, removendo dela
todo o mistério. Isso jamais podemos fazer. Porém, não é correto dizer que não podemos
compreender nada da doutrina da Trindade. Certamente podemos compreender e saber que
Deus é três pessoas, e que cada pessoa é plenamente Deus, e que só há um Deus. Podemos
saber essas coisas porque a Bíblia as ensina. Além disso, podemos saber algumas coisas
acerca do modo como as pessoas se relacionam umas com as outras (ver a seção acima). Mas
o que não podemos compreender plenamente é como encaixar esses diferentes ensinamentos
bíblicos. Perguntamo-nos como pode haver três pessoas distintas, como cada pessoa pode
conter em si a totalidade do ser divino, e como, apesar disso, Deus é um ser único e indiviso.
Isso não somos capazes de compreender. De fato, nos é espiritualmente saudável reconhecer
abertamente que o ser divino em si é tão imenso que jamais poderemos vir a compreendê-lo.
Isso nos humilha diante de Deus e leva-nos a adorá-lo sem reservas.
Mas também é preciso dizer que as Escrituras não nos pedem que creiamos numa contradição.
Contradição seria dizer: “só existe um único Deus e não existe um único Deus” ou “Deus é
três pessoas e Deus não é três pessoas” ou mesmo (semelhante à afirmação precedente) “Deus
é três pessoas e Deus é uma pessoa”.
Como Deus em si mesmo contém tanto a unidade quanto a diversidade, não é de admirar que
unidade e diversidade também se reflitam nas relações humanas que ele firmou. Percebemos
isso inicialmente no casamento. Quando Deus criou o homem à sua própria imagem, não
criou meros indivíduos isolados, mas diz-nos a Bíblia: “homem e mulher os criou” (Gn 1.27).
E na unidade do casamento (ver Gn 2.24) percebemos não uma triunidade como em Deus,
mas pelo menos uma notável unidade de duas pessoas, pessoas que permanecem indivíduos
distintos, porém se tornam um só em corpo, mente e espírito (cf. 1Co 6.16-20; Ef 5.31).
A Criação
Podemos definir assim a doutrina da criação: Deus criou todo o universo do nada; este era
originariamente muito bom, e ele o criou para glorificar a si mesmo.
1. Provas bíblicas da criação a partir do nada.
A Bíblia claramente demanda que acreditemos que Deus criou o universo do nada. (Às vezes
se usa a expressão latina ex nihilo, “do nada”; diz-se então que a Bíblia prega a criação ex
nihilo.) Isso significa que antes de Deus principiar a criação do universo, nada existia além do
próprio Deus.
2. A criação do universo espiritual.
A criação de todo o universo abarca a criação de um reino de existência invisível e espiritual:
Deus criou os anjos e outros tipos de seres celestiais, além dos animais e do homem. Também
criou o céu como lugar onde a sua presença é especialmente evidente. A criação do reino
espiritual está inequivocamente implícita em todos os versículos acima que afirmam que Deus
criou não só a terra, mas também “o céu […] e tudo quanto nele[s] existe” (Ap 10.6; cf. At
4.24), e está ainda explicitamente confirmada em vários outros versículos. No Novo
Testamento, Paulo especifica que em Cristo “foram criadas todas as coisas, nos céus e sobre a
terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos, sejam soberanias, quer principados, quer
potestades. Tudo foi criado por meio dele e para ele” (Cl 1.16; cf. Sl 148.2-5). Aqui a criação
dos seres celestes invisíveis é também afirmada explicitamente.
3. A criação direta de Adão e Eva.
“Então, o SENHOR Deus fez cair pesado sono sobre o homem, e este adormeceu; tomou uma
das suas costelas e fechou o lugar com carne. E a costela que o SENHOR Deus tomara ao
homem, transformou-a numa mulher e lha trouxe” (Gn 2.21-22).
A criação especial de Adão e Eva mostra que, embora nos pareçamos com os animais em
muitos aspectos do nosso corpo físico, somos no entanto muito diferentes deles. Fomos
criados “à imagem de Deus”, o pináculo da criação divina, mais semelhantes a Deus do que
qualquer outra criatura, nomeados para reger o resto da criação.
4. A criação do tempo.
Outro aspecto da criação divina é a criação do tempo (a sucessão de momentos consecutivos).
Essa idéia já foi discutida juntamente com o atributo divino da eternidade no capítulo 11, e
aqui nos basta resumi-la. Quando falamos da existência de Deus “antes” da criação do mundo,
não devemos pensar que Deus existisse ao longo de uma infindável extensão de tempo.
5. O papel do Filho e do Espírito Santo na criação.
Deus Pai foi o agente primordial, ao iniciar o ato da criação. Mas o Filho e o Espírito Santo
também estiveram ativos. O Filho é muitas vezes descrito como aquele “por intermédio de”
quem se deu a criação. O Espírito Santo também agiu na criação. Ele é geralmente retratado
como aquele que conclui, preenche e dá vida à criação divina.
O ensino bíblico a respeito do relacionamento entre Deus e a criação é único entre as religiões
do mundo. A Bíblia ensina que Deus é distinto da sua criação. Não faz parte dela, pois ele a
fez e a governa. O termo muitas vezes usado para dizer que Deus é muito maior do que a
criação é transcendente. Simplificando bastante, isso significa que Deus está bem “acima” da
criação, no sentido de que é maior do que a criação e independente dela.
É evidente que Deus criou seu povo para a sua própria glória, pois ele fala dos seus filhos e
filhas como aqueles “que criei para minha glória, e que formei, e fiz” (Is 43.7). Mas Deus não
criou para seus desígnios somente os seres humanos. Toda a criação tem por meta revelar a
glória de Deus. Mesmo a criação inanimada — as estrelas, o sol, a lua e o firmamento — dá
testemunho da grandeza de Deus. “Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento
anuncia as obras das suas mãos.
Mesmo que hoje haja pecado no mundo, a criação material ainda é boa aos olhos de Deus e
deve também por nós ser tida como “boa”. Esse conhecimento nos liberta de um falso
ascetismo que considera errado o uso e o deleite da criação material.
Em vários momentos da história, os cristãos discordaram das descobertas reconhecidas da
ciência da época. Na grande maioria dos casos, a sincera fé cristã e a firme confiança na
Bíblia levaram os cientistas à descoberta de novas verdades sobre o universo de Deus, e essas
descobertas mudaram a opinião científica em toda a história posterior.
Vejamos alguns princípios segundo os quais se pode abordar a relação entre a criação e as
descobertas da ciência moderna.
1. Corretamente compreendidos todos os fatos, não haverá “nenhum conflito definitivo” entre
as Escrituras e a ciência natural. A expressão “nenhum conflito definitivo” foi extraída de um
livro muito interessante de Francis Schaeffer, No Final Conflict. A respeito de questões da
criação do universo, Schaeffer lista diversos pontos em que, segundo ele, há margem para
discordância entre cristãos que acreditem na completa fidelidade das Escrituras:
a. Existe a possibilidade de Deus ter criado um universo “adulto”.
b. Existe a possibilidade de intervalo entre Gênesis 1.1 e 1.2, ou entre 1.2 e 1.3.
c. Existe a possibilidade de um dia longo em Gênesis 1.
d. O sentido da palavra “espécie” em Gênesis 1 pode ser bem amplo.
e. Existe a possibilidade da morte de animais antes da queda.
f. Nos trechos em que a palavra hebraica bªrª’ não é utilizada, existe a possibilidade de
seqüência a partir de coisas previamente existentes.
2. Algumas teorias sobre a criação parecem nitidamente incompatíveis com os ensinamentos
das Escrituras. Nesta seção examinaremos três tipos de explicação da origem do universo que
parecem nitidamente incompatíveis com as Escrituras.
a. Teorias seculares. Teoria “secular” é qualquer teoria da origem do universo que não
considera que um Deus pessoal e infinito é o responsável pela criação segundo desígnios
inteligentes.
b. Evolução teísta. Essa teoria se chama evolução teísta porque advoga a crença em Deus (é
“teísta”) e também na evolução. Muitos dos que defendem a evolução teísta sugerem que
Deus interveio no processo em alguns pontos críticos, geralmente: (1) na criação da matéria
no princípio, (2) na criação da forma mais simples de vida e (3) na criação do homem.
c. Comentários sobre a teoria darwiniana da evolução. O termo evolução é mais comumente
usado para referir-se à “macroevolução” — ou seja, a “teoria geral da evolução”, ou a idéia de
que “substâncias não vivas deram origem ao primeiro material vivo, que em seqüência se
reproduziu e se diversificou, gerando todos os organismos extintos e existentes”.
(1) Contestações atuais à evolução
A atual teoria neodarwinista ainda é essencialmente semelhante à posição original de Darwin,
mas com aperfeiçoamentos e modificações devidos a mais de cem anos de pesquisas. Na
moderna teoria evolutiva darwinista, a história do desenvolvimento da vida começou quando
uma combinação de substâncias químicas presentes na terra gerou espontaneamente uma
forma de vida simples, provavelmente unicelular.
(2) As influências destrutivas da teoria da evolução no pensamento moderno
É importante compreender as influências incrivelmente destrutivas que a teoria da evolução
exerceu sobre o pensamento moderno. Não passamos então de meros produtos de matéria,
tempo e acaso, e portanto crer que temos alguma importância eterna, ou na verdade qualquer
importância, por mínima que seja, diante de um universo imenso, é simplesmente ilusão. A
reflexão sincera sobre essa idéia deve levar as pessoas a um profundo sentimento de
desespero.
d. A teoria do “intervalo” entre Gênesis 1.1 e 1.2. Alguns evangélicos propõem que existe
um intervalo de milhões de anos entre Gênesis 1.1 (“No princípio, criou Deus os céus e a
terra”) e Gênesis 1.2 (“A terra, porém, estava sem forma e vazia; havia trevas sobre a face do
abismo”). Segundo essa teoria, Deus teria feito uma criação anterior, mas acabou havendo
uma rebelião contra ele (provavelmente ligada à própria rebelião de Satanás), e Deus julgou a
terra, de modo que ela “ficou sem forma e vazia” (tradução alternativa, mas duvidosa,
proposta para Gn 1.2).
3. A idade da terra: algumas considerações preliminares. Até aqui, as análises deste capítulo
defenderam conclusões que esperamos encontrem ampla aceitação entre os cristãos
evangélicos. Qual a idade da terra?
As duas opções a escolher sobre a idade da terra são a teoria da “terra antiga”, que se alinha
com o consenso da ciência moderna, defendendo que a terra tem 4.500.000.000 de anos de
idade; e a teoria da “terra jovem”, que diz que a terra tem entre 10.000 e 20.000 anos, e que os
sistemas de datação científicos seculares estão incorretos. A diferença entre essas duas
concepções é imensa: 4.499.980.000 anos!
4. Hoje tanto a tese da “terra antiga” quanto a da “terra jovem” são opções válidas para os
cristãos que crêem na Bíblia. Depois de discutir várias considerações preliminares a respeito
da idade da terra, chegamos finalmente aos argumentos específicos a favor das teses da terra
antiga e da terra jovem.
a. As teorias criacionistas da “terra antiga”. Nessa primeira categoria, relacionamos dois
pontos de vista defendidos por aqueles que crêem numa terra antiga, com cerca de 4,5 bilhões
de anos, e num universo de cerca de 15 bilhões de anos.
(1) Tese do dia-era
Muitos se viram atraídos a essa tese em virtude das provas científicas a respeito da idade da
terra. Uma investigação bastante proveitosa das opiniões dos teólogos e cientistas a respeito
da idade da terra, desde a antiga Grécia até o século XX, se acha no livro de um geólogo
profissional e também cristão evangélico, Davis A. Young, Christianity and the Age of the
Earth. Young demonstra que, nos séculos XIX e XX, muitos geólogos cristãos, diante do peso
das provas aparentemente esmagadoras, concluíram que a terra tem cerca de 4,5 bilhões de
anos.
A concepção do dia-era é certamente possível, mas tem diversas dificuldades: (1) a seqüência
de acontecimentos de Gênesis 1 não corresponde exatamente à explicação científica atual do
desenvolvimento da vida, que situa os seres marinhos (5º dia) antes das árvores (3º dia), e os
insetos e outros animais terrestres (6º dia), assim como também os peixes (5º dia), antes das
aves (5º dia). (2) A maior dificuldade dessa idéia é o fato de situar o sol, a lua e as estrelas (4º
dia) milhões de anos depois da criação das plantas e das árvores (3º dia). Isso não faz
absolutamente nenhum sentido segundo a opinião científica corrente, que afirma que as
estrelas foram formadas bem antes da terra ou de qualquer ser vivo da terra. Também não faz
sentido em face do modo como a terra hoje funciona, pois as plantas não crescem sem luz do
sol, e muitas delas (3º dia) dependem de aves ou insetos voadores (5º dia) para o transporte do
pólen; além disso, muitas aves (5º dia) vivem de insetos rastejantes (6º dia). Ademais, é de
supor que as águas da terra permaneceriam congeladas por milhões de anos sem a luz do sol.
(2) Tese da estrutura literária
Outra forma de interpretar os dias de Gênesis 1 vem ganhando significativo apoio entre os
evangélicos. Como argumenta que Gênesis não nos dá informações sobre a idade da terra,
seria compatível com a atual concepção científica de que a terra é bastante antiga. Essa tese
defende que os seis dias de Gênesis 1 não pretendem indicar uma seqüência cronológica de
acontecimentos, nada mais sendo que uma “estrutura” literária que o autor usa para nos relatar
a ação criadora de Deus. A estrutura está construída com destreza, de modo que os primeiros
três dias e os três dias restantes correspondam um ao outro.
Dias de formação Dias de preenchimento
1º dia: separação de luz e trevas 4º dia: sol, lua e estrelas (luzes no céu)
2º dia: separação de firmamento e águas 5º dia: peixes e aves
3º dia: separação de terra seca e mares, 6º dia: animais e o homem
plantas e árvores
b. As teorias criacionistas da “terra jovem”. Outro grupo de intérpretes evangélicos rejeita os
sistemas de datação que atualmente atribuem uma idade de milhões de anos à terra,
sustentando, em vez disso, que a terra é bem jovem, tendo talvez 10.000 ou 20.000 anos. Os
defensores da terra jovem formularam vários argumentos científicos em favor da criação
recente da terra. Aqueles que defendem a tese da terra jovem geralmente advogam uma das
seguintes concepções, ou ambas:
(1) Criação com aparência de antigüidade (criacionismo maduro)
O surgimento de Adão e Eva como adultos maduros é um exemplo óbvio. Eles parecem já ter
vivido talvez vinte ou vinte e cinco anos, tendo-se desenvolvido desde a infância como os
seres humanos comuns, mas na verdade tinham menos de um dia de vida. Do mesmo modo,
provavelmente já viram as estrelas na primeira noite de vida, mas a luz da maior parte das
estrelas levaria milhares ou mesmo milhões de anos para alcançar a terra. Isso indica que
Deus criou as estrelas com raios de luz já no lugar.
O verdadeiro problema da aparência de antigüidade é não poder explicar facilmente algumas
coisas do universo. Todos concordarão que Adão e Eva foram criados já adultos, não crianças
recém-nascidas, e portanto já tinham uma aparência madura. Assim, para os cristãos, parece
que as únicas explicações plausíveis dos fósseis são: (a) os atuais métodos de datação estão
incorretos em proporções colossais, em virtude de pressupostos equivocados ou de
modificações introduzidas pela queda ou pelo dilúvio; ou (b) os atuais métodos de datação
estão aproximadamente corretos e a terra tem muitos milhões ou mesmo bilhões de anos.
(2) A geologia do dilúvio
Outra tese comum entre os evangélicos é aquilo que podemos chamar de “geologia
diluviana”. Propõe que as tremendas forças naturais desencadeadas pelo dilúvio no tempo de
Noé (Gn 6-9) alteraram significativamente a face da terra, provocando a produção de carvão e
diamantes, por exemplo, num intervalo de um ano somente, e não de centenas de milhões de
anos, em função da pressão extremamente alta que a água exerceu sobre a terra.
5. Conclusões sobre a idade da terra. Os argumentos astronômicos de Newman e Eckelmann,
que indicam um universo bastante antigo, dão peso ainda maior. É compreensível, por um
lado, que Deus tenha criado um universo em que as estrelas já estavam aparentemente
brilhando havia 15 bilhões de anos, em que Adão já parecia ter 25 anos de idade, em que
algumas árvores aparentemente já estavam ali havia 50 anos e em que alguns animais
pareciam já ter entre 1 e 10 anos. Mas, por outro lado, é difícil compreender por que Deus
teria criado dezenas, talvez centenas, de diferentes tipos de rochas e minerais na terra, todos
eles com apenas um dia de idade, mas ao mesmo tempo todos eles com uma aparência de
exatamente 4,5 bilhões de anos, exatamente a idade aparente que ele também deu à lua e aos
meteoritos, quando na verdade esses também só tinham um dia de vida.
6. A necessidade de uma melhor compreensão. Embora nossas conclusões sejam conjecturais,
diante da nossa compreensão atual parece ser mais fácil interpretar que as Escrituras dão a
entender (mas não exigem) uma terra jovem, apesar de os fatos observáveis da criação
parecerem cada vez mais favoráveis à tese da terra antiga. Ambas as idéias são possíveis, mas
nenhuma delas é segura.
A doutrina da criação tem muitas aplicações para os cristãos de hoje. Faz-nos perceber que o
universo material é bom em si mesmo, pois Deus o criou bom e quer que o utilizemos de
modos que lhe sejam agradáveis. Portanto devemos procurar ser como os primeiros cristãos,
que “partiam pão de casa em casa e tomavam as suas refeições com alegria e singeleza de
coração” (At 2.46), sempre dando graças a Deus e confiando nas suas provisões.
A Providência Divina
Quando entendemos que Deus é o Criador todo-poderoso (ver capítulo 15), parece sensato
concluir que ele também preserva e governa tudo no universo. Embora o termo providência
não se encontre nas Escrituras, tem sido tradicionalmente usado para resumir a contínua
relação de Deus com a sua criação.
Podemos definir assim a providência divina: Deus está continuamente envolvido com todas as
coisas criadas de forma tal que (1) as preserva como elementos existentes, que conservam as
propriedades com que ele os criou; (2) coopera com as coisas criadas em cada ato, dirigindo
as suas propriedades características a fim de fazê-las agir como agem; e (3) as orienta no
cumprimento dos seus propósitos.
Dentro da categoria geral da providência temos três subtópicos, segundo os três elementos da
definição acima: (1) Preservação, (2) Cooperação e (3) Governo.
A. PRESERVAÇÃO
Deus preserva todas as coisas criadas como elementos existentes, que conservam as
propriedades com que ele os criou.
Hebreus 1.3 nos diz que Cristo está “sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder”.
A palavra grega traduzida como “sustentando” é ııııı, “carregar, suportar”. É usada
comumente no Novo Testamento com o sentido de carregar algo de um lugar para outro,
como nos seguinte exemplos: Lucas 5.18 (levar um paralítico num leito até Jesus), João 2.8
(levar vinho ao encarregado do banquete) e 2Timóteo 4.13 (levar uma capa e livros para
Paulo). Não significa simplesmente “sustentar”, mas encerra a idéia de controle ativo e
deliberado da coisa que se carrega de um lugar a outro. Em Hebreus 1.3, o uso do gerúndio
indica que Jesus está “continuamente carregando consigo todas as coisas” no universo pela
palavra do seu poder. Cristo está ativamente envolvido na obra da providência.
B. COOPERAÇÃO
Deus coopera com as coisas criadas em cada ato, dirigindo as suas propriedades
características a fim de fazê-las agir como agem.
Esse segundo aspecto da providência, a cooperação, é uma ampliação da idéia contida no
primeiro aspecto, a preservação. De fato, alguns teólogos (como João Calvino) tratam o fato
da cooperação dentro da categoria da preservação, mas vale a pena tratá-lo como categoria
distinta.
Com o intuito de apresentar provas bíblicas da cooperação, começamos pela criação
inanimada, depois passamos aos animais e finalmente abordamos os diferentes tipos de
acontecimentos da vida dos homens.
1. A criação inanimada.
Há muitas coisas na criação que concebemos como ocorrências meramente “naturais”.
Contudo, as Escrituras afirmam que Deus as faz acontecer. Lemos que “fogo e saraiva, neve e
vapor e ventos procelosos […] lhe executam a palavra” (Sl 148.8). Ainda, o salmista declara
que “Tudo quanto aprouve ao SENHOR, ele o fez, nos céus e na terra, no mar e em todos os
abismos” (Sl 135.6), e depois, na frase seguinte, exemplifica como Deus impõe a sua vontade
ao clima: “Faz subir as nuvens dos confins da terra, faz os relâmpagos para a chuva, faz sair o
vento dos seus reservatórios” (Sl 135.7; cf. 104.4).
2. Os animais.
As Escrituras afirmam que Deus alimenta os animais selvagens do campo, pois “todos
esperam de ti que lhes dês de comer a seu tempo. Se lhes dás, eles o recolhem; se abres a mão,
eles se fartam de bens. Se ocultas o rosto, eles se perturbam” (Sl 104.27-29; cf. Jó 38.39-41).
Jesus também afirmou isso ao dizer: “Observai as aves do céu […] vosso Pai celeste as
sustenta” (Mt 6.26). E ele disse que nenhum pardal “cairá em terra sem o consentimento de
vosso Pai” (Mt 10.29).
3. Acontecimentos aparentemente “aleatórios” ou “casuais”.
De um ponto de vista humano, o ato de lançar sortes (ou seu equivalente moderno, jogar
dados ou tirar cara ou coroa) é o mais típico dos eventos aleatórios que ocorrem no universo.
Mas a Bíblia afirma que o resultado desse evento provém de Deus: “A sorte se lança no
regaço, mas do SENHOR procede toda decisão” (Pv 16.33).
4. Eventos totalmente provocados por Deus e totalmente provocados também pelas
criaturas.
Para todos os eventos anteriores (a chuva e a neve, o crescimento da relva, o sol e as estrelas,
o sustento dos animais ou o lançar sortes), poderíamos (pelo menos em teoria) dar uma
explicação “natural” absolutamente satisfatória. Um botânico pode detalhar os fatores que
fazem a relva crescer, como o sol, a umidade, a temperatura, os nutrientes do solo, etc. Porém
dizem as Escrituras que Deus faz a relva crescer. Essas passagens afirmam que tais eventos
são integralmente provocados por Deus. Porém, sabemos que (noutro sentido) são também
integralmente provocados pelos fatores da criação.
5. As questões nacionais.
As Escrituras também falam do controle providencial divino das questões humanas. Lemos
que Deus “multiplica as nações e as faz perecer; dispersa-as e de novo as congrega” (Jó
12.23). “Pois do SENHOR é o reino, é ele quem governa as nações” (Sl 22.28). Ele já
determinou o tempo de existência e o lugar de cada nação na terra, pois Paulo diz: “[Deus] de
um só fez toda a raça humana para habitar sobre toda a face da terra, havendo fixado os
tempos previamente estabelecidos e os limites da sua habitação” (At 17.26; cf. 14.16).
6. Todos os aspectos da nossa vida.
É surpreendente ver até que ponto as Escrituras atribuem a Deus os vários eventos da nossa
vida. Por exemplo, nossa dependência de Deus para o alimento de cada dia é afirmada cada
vez que oramos “O pão nosso de cada dia dá-nos hoje” (Mt 6.11), ainda que trabalhemos pelo
nosso alimento e (até onde a mera observação humana pode alcançar) o obtenhamos por meio
de causas totalmente “naturais”. Do mesmo modo, Paulo, mirando as coisas com os olhos da
fé, afirma que “o meu Deus […] há de suprir […] cada uma de vossas necessidades” (Fp 4.19),
mesmo que se usem meios “comuns” (como, por exemplo, outras pessoas) para fazê-lo.
7. E o mal?
Se Deus de fato causa, mediante a sua ação providencial, tudo o que vem a acontecer no
mundo, então surge a pergunta: “Qual a relação entre Deus e o mal que existe no mundo?”
Será que Deus realmente causa os atos maus das pessoas? Se o faz, então não seria Deus
responsável pelo pecado?
Podemos começar pela análise de várias passagens que afirmam que Deus, de fato, provocou
acontecimentos maus e fez que se cometessem atos maus. Mas é importante lembrar que em
todas essas passagens fica bem claro que as Escrituras, em momento nenhum, retratam Deus
fazendo diretamente algo mau; retratam, sim, Deus causando atos maus por meio das ações
voluntárias das criaturas morais.
8. Análise dos versículos relacionados a Deus e o mal.
Depois de examinar tantos versículos que falam do uso divino providencial dos atos maus de
homens e demônios, que podemos dizer à guisa de análise?
a. Deus usa todas as coisas para cumprir os seus desígnios e usa até o mal para a sua glória e
para o nosso bem. Assim, quando o mal entra em nossa vida para nos perturbar, podemos
encontrar na doutrina da providência uma certeza mais profunda de que “Deus age em todas
as coisas para o bem daqueles que o amam, dos que foram chamados de acordo com o seu
propósito” (Rm 8.28 NVI). Foi essa convicção que possibilitou que José dissesse aos seus
irmãos: “Vós, na verdade, intentastes o mal contra mim; porém Deus o tornou em bem” (Gn
50.20).
b. Porém, Deus jamais faz o mal e jamais deve ser culpado pelo mal. Numa declaração
semelhante àquelas citadas acima de Atos 2.23 e 4.27-28, Jesus também combina a
predestinação divina da crucificação com a culpa moral daqueles que a executaram: “Porque o
Filho do Homem, na verdade, vai segundo o que está determinado, mas ai daquele por
intermédio de quem ele está sendo traído!” (Lc 22.22; cf. Mt 26.24; Mc 14.21). E numa
declaração mais geral sobre o mal no mundo, diz Jesus: “Ai do mundo, por causa dos
escândalos; porque é inevitável que venham escândalos, mas ai do homem pelo qual vem o
escândalo!” (Mt 18.7).
c. Deus culpa e julga justamente as criaturas morais pelo mal que fazem. Muitas passagens
das Escrituras afirmam isso. Uma delas se encontra em Isaías: “Estes escolheram os seus
próprios caminhos, e a sua alma se deleita nas suas abominações, assim eu lhes escolherei o
infortúnio e farei vir sobre eles o que eles temem; porque clamei, e ninguém respondeu, falei,
e não escutaram; mas fizeram o que era mau perante mim e escolheram aquilo em que eu não
tinha prazer” (Is 66.3-4). Do mesmo modo, lemos: “Deus fez o homem reto, mas ele se meteu
em muitas astúcias” (Ec 7.29). A culpa pelo mal é sempre da criatura responsável que o
comete, seja homem, seja demônio, e a criatura que comete o mal sempre merece castigo.
d. O mal é real, não ilusão, e jamais devemos fazer o mal, pois ele sempre prejudicará a nós
mesmos e os outros. As Escrituras ensinam repetidamente que jamais temos o direito de fazer
o mal e que persistentemente devemos nos opor a ele em nós mesmos e no mundo. Devemos
orar: “Livra-nos do mal” (Mt 6.13). E quando virmos alguém se desviando da verdade e
fazendo algo errado, devemos tentar trazê-lo de volta. Dizem as Escrituras: “Se algum entre
vós se desviar da verdade, e alguém o converter, sabei que aquele que converte o pecador do
seu caminho errado salvará da morte a alma dele e cobrirá multidão de pecados” (Tg 5.19-20).
e. Apesar de todas as afirmações anteriores, chega um ponto em que nos vemos obrigados a
confessar que não compreendemos como Deus pode ordenar que executemos atos maus e
depois nos responsabilizar por eles, sem que o próprio Deus tenha culpa. Podemos afirmar
que todas essas coisas são verdade, pois as Escrituras as ensinam. Mas a Bíblia não nos diz
exatamente como Deus provoca essa situação, ou como Deus nos responsabiliza por aquilo
que ordena que venha a acontecer. Nesse ponto a Bíblia se cala, e temos de concordar com
Berkhof, considerando que em última análise “o problema da relação de Deus com o pecado
permanece um mistério”.
9. Somos “livres”?
Temos “livre-arbítrio”? Se Deus exerce controle providencial sobre todos os eventos, será que
em algum sentido somos livres? A resposta depende do que queremos dizer com a palavra
livre. Em certos sentidos da palavra, todos concordam que somos livres na nossa vontade e
nas nossas decisões.
C. GOVERNO
1. Provas bíblicas.
Já discutimos os dois primeiros aspectos da providência: (1) preservação e (2) cooperação.
Esse terceiro aspecto da providência divina sugere que Deus tem um propósito em tudo o que
faz no mundo, e providencialmente governa ou dirige todas as coisas a fim de que cumpram
esses propósitos divinos. Lemos em Salmos: “O seu reino domina sobre tudo” (Sl 103.19).
Além disso, “segundo a sua vontade, ele opera com o exército do céu e os moradores da terra;
não há quem lhe possa deter a mão, nem lhe dizer: Que fazes?” (Dn 4.35).
2. Distinções acerca da vontade de Deus.
Embora em Deus a sua vontade seja unificada, e não dividida nem contraditória, é-nos
impossível compreender as profundezas da vontade divina, e só pequena parte dela nós é
revelada. Por essa razão, como vimos no capítulo 13,2 2 percebemos dois aspectos da vontade
de Deus. De um lado, existe a vontade moral de Deus (às vezes chamada vontade “revelada”).
D. OS DECRETOS DE DEUS
Os decretos de Deus são os divinos desígnios eternos por meio dos quais, antes da criação do
mundo, ele determinou realizar tudo o que acontece. Essa doutrina é semelhante à da
providência, mas aqui estamos considerando as decisões divinas anteriores à criação do
mundo, e não seus atos providenciais no tempo. Seus atos providenciais são a efetivação dos
decretos eternos que ele baixou há muito tempo.
E. A IMPORTÂNCIA DAS NOSSAS AÇÕES
Às vezes esquecemos que Deus age por intermédio dos atos humanos na sua administração
providencial do mundo. Esquecendo, pensamos que nossos atos e nossas decisões não fazem
muita diferença ou não exercem muita influência no curso dos acontecimentos. Para evitar
qualquer mal-entendido acerca da providência divina, enfatizamos os pontos abaixo.
1. Somos, sim, responsáveis pelos nossos atos.
Deus nos fez responsáveis pelos nossos atos, que têm resultados reais e eternamente
significativos. Em todos os seus atos providenciais, Deus preserva essas características de
responsabilidade e importância.
2. Nossos atos geram resultados reais e mudam, sim, o curso dos acontecimentos.
Segundo o funcionamento normal do mundo, se deixo de cuidar da minha saúde e cultivo
hábitos alimentares ruins, ou se agrido o meu corpo abusando do álcool e do cigarro, é
provável que morra mais cedo. Deus determinou que nossos atos produzam efeitos. Deus
determinou que nós causaremos acontecimentos.
3. A oração é um tipo de ação que traz resultados definidos e que efetiva-mente muda o
curso dos acontecimentos.
Deus também determinou que a oração fosse um meio bastante importante de gerar resultados
no mundo. Quando sinceramente intercedemos por uma pessoa ou situação, muitas vezes
descobrirmos que Deus determinara que nossa oração seria o meio que ele usaria para gerar as
mudanças no mundo. As Escrituras nos lembram esse fato ao dizer: “Nada tendes, porque não
pedis” (Tg 4.2). Jesus diz: “Até agora nada tendes pedido em meu nome; pedi e recebereis,
para que a vossa alegria seja completa” (Jo 16.24).
4. Concluindo, precisamos agir!
A doutrina da providência de modo nenhum nos incentiva a aguardar ociosos o resultado de
determinados acontecimentos. É claro que Deus pode gravar em nós a necessidade de esperar
nele antes de agir e de confiar nele e não nas nossas próprias capacidades — isso certamente
não é errado. Mas simplesmente dizer que confiamos em Deus em vez de agir
responsavelmente é pura ociosidade, e uma distorção da doutrina da providência.
5. E se não pudermos compreender plenamente essa doutrina?
Todo crente que medita na providência de Deus alcançará mais cedo ou mais tarde um ponto
em que se verá obrigado a dizer: “Não consigo compreender plenamente essa doutrina”. Em
certo sentido isso se deve dizer de toda doutrina, pois nossa compreensão é finita, e Deus é
infinito.
F. OUTRAS APLICAÇÕES PRÁTICAS
Embora já tenhamos começado a falar da aplicação prática dessa doutrina, é importante
mencionar três outros tópicos.
1. Não tema, mas confie em Deus.
Jesus enfatiza o fato de que nosso soberano Senhor zela por nós e cuida de nós como seus
filhos. Diz: “Observai as aves do céu: não semeiam, não colhem, nem ajuntam em celeiros;
contudo, vosso Pai celeste as sustenta. Porventura, não valeis vós muito mais do que as aves?
2. Sejamos gratos por todas as boas coisas que acontecem.
Se genuinamente cremos que todas as boas coisas são causadas por Deus, então nosso coração
de fato exultará quando dissermos: “Bendize, ó minha alma, ao SENHOR, e não te esqueças de
nem um só de seus benefícios” (Sl 103.2). Agradecer-lhe-emos nosso alimento diário (cf. Mt
6.11; 1Tm 4.4-5) e, na verdade, “em tudo” daremos graças (1Ts 5.18).
3. Não existe nada que se possa chamar “sorte” ou “acaso”.
Todas as coisas acontecem pela sábia providência divina. Isso significa que devemos adotar
uma compreensão muito mais “pessoal” do universo e dos eventos que nele ocorrem. O
universo não é governado por destino ou sorte impessoal, mas por um Deus pessoal.
G. OUTRA VISÃO EVANGÉLICA: A POSTURA ARMINIANA
Existe uma importante postura alternativa defendida por muitos evangélicos, que por
conveniência chamaremos de visão “arminiana”. Entre as denominações evangélicas
contemporâneas, os metodistas e os nazarenos tendem a ser plenamente arminianos, enquanto
os presbiterianos tendem a ser plenamente reformados (pelo menos segundo a afirmação
denominacional de fé). Os que defendem a opinião arminiana sustentam que, para preservar a
verdadeira liberdade humana e as verdadeiras escolhas humanas indispensáveis à genuína
pessoalidade humana, Deus não pode causar nem planejar as nossas decisões voluntárias.
Portanto, concluem que o envolvimento providencial de Deus na história, ou o controle divino
da história, não pode incluir cada mínimo detalhe de tudo o que acontece; em vez disso, Deus
simplesmente reage às escolhas e ações humanas quando essas se realizam, e o faz de
maneira tal que seus desígnios acabam se cumprindo no mundo.
1. Os versículos citados como exemplos do controle providencial de Deus são exceções e não
descrevem o modo como Deus normalmente opera na atividade humana. Examinando as
passagens do Antigo Testamento que tratam do envolvimento providencial de Deus no
mundo, David J. A. Clines diz que as previsões e afirmações dos desígnios divinos se referem
a acontecimentos limitados ou específicos: quase todas as referências específicas aos
desígnios de Deus têm em vista um acontecimento particular, ou uma série limitada de
acontecimentos; por exemplo, “os desígnios que ele formou contra a terra dos caldeus” (Jr
50.45).
2. A visão calvinista equivocadamente torna Deus responsável pelo pecado. Aqueles que
sustentam a concepção arminiana perguntam: “Como pode Deus ser santo se decreta que
pequemos?” Afirmam eles que Deus não é o “autor do pecado”, que “Deus não pode ser
tentado pelo mal e ele mesmo a ninguém tenta” (Tg 1.13), que “Deus é luz, e não há nele
treva nenhuma” (1Jo 1.5) e que “o SENHOR é reto […] e nele não há injustiça” (Sl 92.15).
3. Escolhas causadas por Deus não podem ser escolhas legítimas. Se o calvinista afirma que
Deus nos faz escolher coisas voluntariamente, os defensores da concepção arminiana
respondem que quaisquer escolhas em última análise causadas por Deus não podem ser
escolhas legítimas, e que, se Deus realmente nos faz tomar as decisões que tomamos, então
não somos pessoas reais.
Para esclarecer o seu argumento sobre a liberdade essencial da vontade humana, os defensores
da posição arminiana chamam atenção para a freqüência da livre oferta do evangelho no Novo
Testamento. Diriam eles que esses convites ao arrependimento e à salvação em Cristo, caso
sinceros, implicam necessariamente a capacidade de aceitá-los. Assim, todas as pessoas, sem
exceção, têm capacidade de aceitar, não só aqueles a quem Deus soberanamente deu essa
capacidade de modo especial.
4. A tese arminiana incentiva a vida cristã responsável, enquanto a tese calvinista estimula um
fatalismo perigoso. Os cristãos que defendem a visão arminiana argumentam que a visão
calvinista, quando compreendida na sua totalidade, destrói os motivos da conduta cristã
responsável. Randall Basinger diz que a concepção calvinista “estabelece que o que é deve ser
e exclui a hipótese de que as coisas poderiam e/ou deveriam ter sido diferentes”.
H. RESPOSTA À POSTURA ARMINIANA
Muitos evangélicos julgarão convincentes esses quatro argumentos arminianos. Acharão eles
que esses argumentos representam o que intuitivamente sabem sobre si mesmos, seus atos e o
modo como o mundo opera, e que tais argumentos são a melhor explicação para a repetida
ênfase bíblica na nossa responsabilidade e nas reais conseqüências das nossas decisões.
Entretanto, pode-se dar algumas respostas à tese arminiana.
1. Serão essas passagens bíblicas exemplos incomuns, ou descrevem elas o modo como
Deus age normalmente?
Em resposta à objeção de que os exemplos do controle providencial de Deus só se referem a
casos limitados ou específicos, pode-se dizer primeiro que esses exemplos são tão numerosos
que parecem ter como meta nos ensinar os modos como Deus age sempre. Deus não só faz
crescer parte da relva; faz toda a relva crescer.
2. Será que a doutrina calvinista da providência divina torna Deus responsável pelo
pecado?
Contra a tese calvinista da providência divina (que aceita que os decretos divinos autorizem o
pecado e o mal), os arminianos diriam que Deus não é responsável pelo pecado e o mal, pois
ele não os determinou nem os causou de modo nenhum.
3. Será que escolhas determinadas por Deus podem ser escolhas legítimas?
Em resposta ao argumento de que escolhas determinadas por Deus não podem ser escolhas
legítimas, importa dizer que isso não passa de uma suposição baseada, novamente, na
experiência e na intuição humanas, e não em textos bíblicos.
4. Será que uma concepção calvinista da providência incentiva um fatalismo perigoso ou
uma tendência de “viver como os arminianos”?
A concepção de providência apresentada acima enfatiza a necessidade da obediência
responsável, e por isso não é correto dizer que incentiva a espécie de fatalismo que diz
que tudo o que é deve ser. Aqueles que acusam os autores reformados de acreditar nisso
simplesmente compreenderam erroneamente a doutrina reformada da providência.
5. Outras objeções à tese arminiana.
Além de responder aos quatro argumentos arminianos mencionados acima, é preciso
considerar algumas outras objeções a essa tese.
a. Segundo a concepção arminiana, como pode Deus conhecer o futuro? Segundo a visão
arminiana, as escolhas humanas não são causadas por Deus. São totalmente livres. Mas as
Escrituras nos dão muitos exemplos de que Deus prediz o futuro e de profecias cumpridas
com precisão. Outros arminianos simplesmente afirmam que Deus conhece tudo o que
acontecerá, mas isso não significa que ele planejou ou causou o que irá acontecer; significa
simplesmente que ele tem a capacidade de enxergar o futuro. O problema dessa posição é que,
mesmo que Deus não tenha planejado nem causado o acontecimento das coisas, o fato de
serem conhecidas de antemão significa que certamente acontecerão. E isso significa que
nossas decisões estão predeterminadas por alguma coisa (seja o destino seja o inevitável
mecanismo de causa-e-efeito do universo) e, portanto, continuam não sendo livres no sentido
em que os arminianos as desejam livres.
b. Segundo a concepção arminiana, como pode o mal existir se Deus não o quer? Os
arminianos dizem bem claramente que o surgimento do mal no mundo não aconteceu segundo
a vontade de Deus. Pinnock declara: “A queda do homem é uma eloqüente refutação da teoria
de que a vontade de Deus é sempre realizada”. Mas como pode o mal existir se Deus não quis
que existisse? Se o mal acontece apesar de Deus não o querer, isso parece negar a onipotência
de Deus: ele quis evitar o mal, mas foi incapaz de fazê-lo.
c. Segundo a concepção arminiana, como podemos saber que Deus triunfará do mal? Se
voltamos à afirmação arminiana de que o mal não está de acordo com a vontade de Deus,
surge outro problema: se todo o mal que hoje existe no mundo surgiu à revelia da vontade de
Deus, como podemos ter certeza de que Deus triunfará do mal no fim? É claro que Deus diz
nas Escrituras que triunfará do mal.
d. A diferença nas perguntas sem resposta. Como temos compreensão finita, inevitavelmente
nos veremos diante de algumas perguntas sem resposta para cada doutrina bíblica. Contudo,
acerca desse ponto as perguntas que calvinistas e arminianos deixam sem resposta são bem
diferentes. De um lado, os calvinistas se vêem obrigados a dizer que não sabem como
responder às seguintes perguntas:
1. Como exatamente Deus pode determinar que pratiquemos voluntariamente o mal,
sem ser ele mesmo culpado do mal?
2. Como exatamente pode Deus fazer-nos escolher algo por nossa vontade?
Diante disso, os calvinistas diriam que a resposta deve ser de algum modo encontrada na
consciência da infinita grandeza de Deus, no conhecimento do fato de que ele pode fazer bem
mais do que jamais conceberíamos possível. Assim, a conseqüência dessas perguntas sem
resposta é um aumento de nossa apreciação da grandiosidade de Deus.
MILAGRES
A análise do tema dos milagres está intimamente ligada à providência divina, que
examinamos no capítulo anterior. Ali argumentamos que Deus exerce um controle
abrangente, contínuo e soberano sobre todos os aspectos da sua criação. Este capítulo supõe
uma compreensão da discussão da providência e nela se baseará na abordagem da questão dos
milagres.
A. DEFINIÇÃO
Podemos dar a seguinte definição: milagre é um gênero menos comum da atividade divina,
pela qual Deus desperta a admiração e o espanto das pessoas, dando testemunho de si
mesmo. Essa definição leva em conta nossa compreensão prévia da providência divina,
segundo a qual Deus preserva, controla e governa todas as coisas. Se compreendemos assim a
providência, naturalmente evitaremos algumas outras explicações ou definições comuns de
milagres.
B. OS MILAGRES COMO CARACTERÍSTICA DA ERA DA NOVA ALIANÇA
No Novo Testamento, os sinais miraculosos de Jesus atestavam que ele provinha de Deus;
Nicodemos o reconheceu: “Ninguém pode fazer estes sinais que tu fazes, se Deus não estiver
com ele” (Jo 3.2). A transformação de água em vinho, operada por Jesus, foi um “sinal” que
“manifestou a sua glória; e os seus discípulos creram nele” (Jo 2.11). Segundo Pedro, Jesus
foi “aprovado por Deus diante de vós com milagres, prodígios e sinais, os quais o próprio
Deus realizou por intermédio dele entre vós” (At 2.22).
De fato, aparentemente é característico da igreja do Novo Testamento a ocorrência de
milagres. No Antigo Testamento, os milagres pareciam ocorrer primordialmente vinculados a
um líder eminente por vez, como Moisés, Elias ou Eliseu. No Novo Testamento, ocorre uma
explosão súbita e insólita dos milagres no início do ministério de Jesus (Lc 4.36-37, 40-41).
C. OS PROPÓSITOS DOS MILAGRES
Um dos propósitos dos milagres é certamente autenticar a mensagem do evangelho. Isso ficou
evidente no próprio ministério de Jesus, pois gente como Nicodemos reconheceu: “Sabemos
que és Mestre vindo da parte de Deus; porque ninguém pode fazer estes sinais que tu fazes, se
Deus não estiver com ele” (Jo 3.2). Isso também se mostrou claro à medida que o evangelho
passou a ser proclamado pelos que ouviram Jesus, pois, quando pregavam, Deus dava
“testemunho juntamente com eles, por sinais, prodígios e vários milagres e por distribuições
do Espírito Santo, segundo a sua vontade” (Hb 2.4).
D. ESTAVAM OS MILAGRES RESTRITOS AOS APÓSTOLOS?
1. Uma concentração incomum de milagres no ministério dos apóstolos.
Alguns já argumentaram que os milagres estavam restritos aos apóstolos, ou aos apóstolos e
às pessoas intimamente ligadas a eles. Antes de considerar seus argumentos, é importante
observar que há algumas indicações de que uma admirável concentração de milagres
caracterizava os apóstolos como representantes especiais de Cristo.
2. Quais são os “sinais de um apóstolo” em 2Coríntios 12.12?
Por que então alguns argumentam que os milagres eram sinais exclusivos que distinguiam os
apóstolos? Seu argumento se baseia principalmente em 2Coríntios 12.12, onde Paulo diz: “As
marcas de um apóstolo – sinais, maravilhas e milagres – foram demonstradas entre vocês,
com grande perseverança” (2Co 12.12). Ao ponderar essa questão, é importante lembrar que
na passagem-chave usada para estabelecer esse argumento, na qual Paulo fala dos “sinais de
um verdadeiro apóstolo” em 2Coríntios 12.12 (RSV), ele não está tentando provar que é um
apóstolo que se distingue de outros cristãos que não são apóstolos. Antes, tenta provar que é
um verdadeiro representante de Cristo, ao contrário dos “falsos apóstolos” (2Co 11.13), falsos
representantes de Cristo, servos de Satanás que se disfarçam de “ministros de justiça” (2Co
11.14-15).
3. A definição restritiva de milagres proposta por Norman Geisler.
Uma tentativa mais recente de negar que milagres ocorram hoje foi empreendida por Norman
Geisler. Ele tem uma definição muito mais restritiva de milagre do que a apresentada neste
capítulo e usa essa definição como argumento contrário à possibilidade da existência de
milagres contemporâneos. Diz Geisler que “os milagres (1) são sempre bem-sucedidos, (2)
são imediatos, (3) não têm recaídas e (4) confirmam o mensageiro de Deus” (pp. 28-30). Ele
encontra sustentação para essa tese principalmente no ministério de Jesus, mas quando vai
além da vida de Jesus e tenta demonstrar que outros que tinham o poder de operar milagres
jamais falharam, sua tese torna-se muito menos convincente.
4. Hebreus 2.3-4.
Outra passagem que às vezes se usa para sustentar a idéia de que os milagres estavam
limitados aos apóstolos e às pessoas intimamente ligadas a eles é Hebreus 2.3-4. Ali o autor
diz que a mensagem da salvação, “tendo sido anunciada inicialmente pelo Senhor, foi-nos
depois confirmada pelos que a ouviram; dando Deus testemunho juntamente com eles, por
sinais, prodígios e vários milagres e por distribuições do Espírito Santo, segundo a sua
vontade”.
5. Conclusão: estavam os milagres restritos aos apóstolos?
Se o ministério no poder e na glória do Espírito Santo é característico da era da nova aliança
(2Co 3.1-4.18), então nossa expectativa seria justamente o contrário: esperaríamos que a
segunda, a terceira e a quarta gerações de cristãos, que também conheceram a Cristo e o poder
da sua ressurreição (Fp 3.10), que estão continuamente se enchendo do Espírito Santo (Ef
5.18), que são participantes de uma luta que não é terrena, mas que se desenvolve com armas
que têm o poder divino de destruir fortalezas (2Co 10.3-4), que não receberam espírito de
covardia, “mas de poder, de amor e de moderação” (2Tm 1.7), que são fortes no Senhor e na
força do seu poder e que vestiram toda a armadura de Deus a fim de poder fazer frente aos
principados e potestades, às forças espirituais do mal nas regiões celestes (Ef 6.10-12),
também teriam a capacidade de ministrar o evangelho não somente em verdade e amor, mas
também com as respectivas demonstrações miraculosas do poder de Deus.
E. OS FALSOS MILAGRES
Os mágicos do faraó foram capazes de operar alguns falsos milagres (Êx 7.11, 22; 8.7),
embora logo depois tenham sido obrigados a admitir que o poder de Deus era maior (Êx
8.19). Simão, o mágico da cidade de Samaria, assombrava as pessoas com suas mágicas (At
8.9-11), ainda que os milagres realizados por intermédio de Filipe fossem muito maiores (At
8.13). Em Filipos, Paulo encontrou uma moça escrava “possessa de espírito adivinhador, a
qual, adivinhando, dava grande lucro aos seus senhores” (At 16.16), mas Paulo repreendeu o
espírito, que dela saiu (At 16.18). Além disso, Paulo diz que quando o iníquo vier, virá “com
todo poder, e sinais, e prodígios da mentira, e com todo engano de injustiça aos que perecem”
(2Ts 2.9-10), mas aqueles que os aceitarem e forem enganados o farão “porque não acolheram
o amor da verdade para serem salvos” (2Ts 2.10). Isso indica que aqueles que operarão falsos
milagres no final dos tempos pelo poder de Satanás não falarão a verdade, mas pregarão um
falso evangelho.
F. SERÁ QUE OS CRISTÃOS DEVEM BUSCAR MILAGRES HOJE?
Uma coisa é dizer que os milagres podem acontecer hoje. Outra bem diferente é pedir
milagres a Deus. Será correto então que os cristãos peçam que Deus opere milagres?
A resposta depende do motivo pelo qual se buscam os milagres. Certamente é errado buscar
poderes miraculosos para aumentar a fama ou o poder próprios, como o fez o mágico Simão;
Pedro lhe disse: “… o teu coração não é reto diante de Deus. Arrepende-te, pois, da tua
maldade e roga ao Senhor; talvez te seja perdoado o intento do coração” (At 8.21-22).
É também errado buscar milagres por mera diversão, como o fez Herodes: “Vendo a Jesus,
sobremaneira se alegrou, pois havia muito queria vê-lo, por ter ouvido falar a seu respeito;
esperava também vê-lo fazer algum sinal” (Lc 23.8). Mas Jesus nem sequer quis responder às
perguntas de Herodes.
É ainda errado que descrentes céticos busquem milagres simplesmente a fim de encontrar
motivos para criticar os que pregam o evangelho.
A ORAÇÃO
O caráter de Deus e seu relacionamento com o mundo, como já analisamos nos capítulos
anteriores, levam naturalmente à ponderação da doutrina da oração. Podemos dar a seguinte
definição: oração é comunicação pessoal com Deus.
A. POR QUE DEUS QUER QUE OREMOS?
Não oramos para que Deus descubra as nossas necessidades, pois diz-nos Jesus: “… Deus, o
vosso Pai, sabe o de que tendes necessidade, antes que lho peçais” (Mt 6.8). Deus quer que
oremos porque a oração exprime a nossa confiança em Deus, e é um meio pelo qual nossa
confiança nele pode crescer. De fato, talvez a principal ênfase da doutrina bíblica da oração é
que devemos orar com fé, o que significa confiar em Deus ou dele depender. Deus, como
nosso Criador, se deleita ao ver que nós, suas criaturas, nele confiamos, pois a atitude de
dependência ou confiança é a mais apropriada numa relação Criador/criatura. Orar com
humilde confiança também indica que estamos genuinamente convencidos da sabedoria, do
amor, da bondade e do poder de Deus — na verdade de todos os atributos que compõem o seu
excelente caráter. Quando oramos sinceramente, nós, pessoas, na totalidade do nosso caráter,
nos relacionamos com um Deus pessoal, na totalidade do seu caráter. Assim, tudo o que
pensamos ou sentimos em relação a Deus se expressa na nossa oração. Nada mais natural que
Deus se deleite com essa atividade, e assim a enfatize bastante no seu relacionamento
conosco.
As primeiras palavras da Oração Dominical, “Pai nosso, que estás nos céus” (Mt 6.9),
reconhecem nossa dependência de Deus, um Deus que é Pai amoroso e sábio, e também
reconhecem que ele tudo governa do seu trono celeste. As Escrituras muitas vezes enfatizam a
necessidade de confiarmos em Deus ao orar. Por exemplo, Jesus compara
A oração eficaz é possível por intermédio de nosso Mediador, Jesus Cristo. Como somos
pecadores, e Deus é santo, não temos direito nenhum, por nós mesmos, de comparecer perante
ele. Precisamos de um mediador que aja entre nós e Deus e nos leve à presença de Deus. As
Escrituras claramente ensinam: “Há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens,
Cristo Jesus, homem” (1Tm 2.5).
O que é orar “em nome de Jesus”? Diz Jesus: “Tudo quanto pedirdes em meu nome, isso farei,
a fim de que o Pai seja glorificado no Filho. Se me pedirdes alguma coisa em meu nome, eu o
farei” (Jo 14.13-14). Diz também que escolheu seus discípulos “a fim de que tudo quanto
pedirdes ao Pai em meu nome, ele vo-lo conceda” (Jo 15.16). Igualmente, diz: “Em verdade,
em verdade vos digo: se pedirdes alguma coisa ao Pai, ele vo-la concederá em meu nome. Até
agora nada tendes pedido em meu nome; pedi e recebereis, para que a vossa alegria seja
completa” (Jo 16.23-24; cf. Ef 5.20).
Devemos orar a Jesus e ao Espírito Santo? Uma investigação das orações do Novo
Testamento indica que geralmente não são dirigidas nem a Deus Filho nem ao Espírito Santo,
mas a Deus Pai. Porém, o mero cômputo dessas orações pode ser enganador, pois a maioria
das orações que temos registradas no Novo Testamento são do próprio Jesus, que
constantemente orava a Deus Pai, mas logicamente não orava a si mesmo, Deus Filho. Além
disso, no Antigo Testamento, a natureza trinitária de Deus não estava tão nitidamente
revelada, e não é surpreendente o fato de não encontrar muitas evidências de orações dirigidas
diretamente a Deus Filho ou ao Espírito Santo de Deus antes do tempo de Cristo.
O papel do Espírito Santo nas nossas orações. Em Romanos 8.26-27, diz Paulo:
Também o Espírito, semelhantemente, nos assiste em nossa fraqueza;
porque não sabemos orar como convém, mas o mesmo Espírito
intercede por nós sobre-maneira, com gemidos inexprimíveis. E
aquele que sonda os corações sabe qual é a mente do Espírito, porque
segundo a vontade de Deus é que ele intercede pelos santos.
Os intérpretes divergem sobre se os “gemidos inexprimíveis” são do próprio Espírito Santo ou
nossos próprios gemidos e suspiros na oração, que o Espírito Santo transforma em oração
eficaz perante Deus. Parece mais provável que os “gemidos” ou “suspiros” aqui sejam os
nossos gemidos. Quando Paulo diz: “O Espírito […] nos assiste em nossa fraqueza” (v. 26), a
palavra traduzida por “assiste” (gr. sunantilambanomai) é a mesma usada em Lucas 10.40,
onde Marta quer que Maria venha ajudá-la. A palavra não indica que o Espírito Santo ora em
nosso lugar, mas que o Espírito Santo se une a nós e torna eficaz a nossa fraca oração. Assim,
é melhor interpretar esse suspirar ou gemer na oração como suspiros e gemidos nossos,
exprimindo os desejos do nosso coração e do nosso espírito, que o Espírito Santo então
transforma em oração eficaz.
B. A EFICÁCIA DA ORAÇÃO.
1. A Oração muda o modo como Deus age.
Diz-nos Tiago: “Nada tendes, porque não pedis”. (Tg. 4:2). Ele sugere que o não pedir nos
priva daquilo que Deus poderia nos dar. Oramos, e Deus atende. Jesus também diz: “Pedi, e
dar-se-vos-á; buscai, e achareis; batei, e abri-se-vos-á. Pois todo o que pede recebe; o que
busca encontra; e a quem bate abrir-se-lhe-á”. (l. 11:9-10). Ele faz clara associação entre
buscar as coisas de Deus e recebê-las. Quando pedimos, Deus atende.
2. A oração eficaz é possível por intermédio de nosso mediador, Jesus Cristo.
Como somos pecadores, e Deus é santo, não temos direito nenhum, por nós mesmos, de
comparecer perante ele. Precisamos de um mediador que aja entre nós e Deus e nos leve à
presença de Deus. As Escrituras claramente ensinam: “Há um só Deus e um só Mediador
entre Deus e o homem, Crsito Jesus, homem” (1 Tm. 2.5).
3. O que é orar “em nome de Jesus”?
Diz Jesus: “Tudo quanto pedirdes em meu nome, isso farei, a fim de que o Pai seja glorificado
no Filho. Se me pedirdes alguma coisa em meu nome, eu o farei” (Jô. 14.13-14). Diz também
que escolheu seus discípulos “a fim de que tudo quanto pedirdes ao Pai em meu nome, ele volo
conceda” (Jo 15:16). Igualmente diz: “Em verdade, em verdade vos digo: se pedirdes
alguma coisa ao Pai, ele vol-a concederá em meu nome. Até agora nada tendes pedido em
meu nome; pedi e recebereis, para que a vossa alegria seja completa” (Jo 16.23-24; cf Ef
5.20).
4. Devemos orar a Jesus e ao Espírito Santo?
Uma investigação das orações do Novo Testamento indica que geralmente não são dirigidas
nem a Deus Filho nem ao Espírito Santo, ma a Deus Pai. Porém, o mero cômputo dessas
orações pode ser enganador, pois a maioria das orações que temos registradas no Novo
Testamento são do p´roprio Jesus, que constantemente orava ao Pai, mas logicamente não
orava a si mesmo, Deus Filho. Além disso, no Antigo Testamento, a natureza trinitária de
Deus não estava tão nitidamente revelada, e não é surpreendente o fato de não encontrar
muitas evidências de orações dirigidas diretamente a Deus Filho ou ao Espírito Santo de Deus
antes do tempo de Cristo.
5. O papel do Espírito Santo nas nossas orações
Em romanos 8.26-27, diz Paulo:
Também o Espírito, sememlhantemente, nos assiste em nossa
fraqueza; porque não sabemos orar como convém, mas o mesmo
Espírito intercede por nós sobremaneira, com gemidos inexprimíveis.
E aquele que sonda os corações sabe qual é a mente do Espírito,
porque segundo a vontade de Deus é que ele intercede pelos santos.
Os intérpretes divergem sobre se os “gemidos inexprimíveis” são do próprio Espírito Santo ou
são nossos próprios gemidos e suspiros na oração, que o Espírito Santo transforma em oração
eficaz perante Deus. Parece mais provável que os “gemidos” ou “suspiros” aqui sejam os
nossos gemidos.
C. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES IMPORTANTES ACERCA DA ORAÇÃO EFICAZ
As Escrituras indicam várias considerações que precisam ser levadas em conta se
pretendemos fazer a espécie de oração que Deus deseja de nós.
1. Orar segundo a vontade de Deus.
João nos diz: “Esta é a confiança que temos para com ele: que, se pedirmos alguma coisa
segundo a sua vontade, ele nos ouve. E, se sabemos que ele nos ouve quanto ao que lhe
pedimos, estamos certos de que obtemos os pedidos que lhe temos feito” (1Jo 5.14-15). Jesus
nos ensina a orar: “Faça-se a tua vontade” (Mt 6.10) e ele mesmo nos dá o exemplo, orando
no jardim do Getsêmani: “Todavia, não seja como eu quero, e sim como tu queres” (Mt
26.39).
2. Orar com fé. Diz Jesus:
“Por isso, vos digo que tudo quanto em oração pedirdes, crede que recebestes, e será assim
convosco” (Mc 11.24). Algumas traduções variam, mas o texto grego diz realmente: “crede
que recebestes”. Escribas posteriores que copiaram os manuscritos gregos, e também alguns
comentaristas que vieram depois, entenderam que o texto significava: “creiam que vocês irão
receber”. Porém, se aceitamos o texto como ele está nos melhores e mais antigos manuscritos
(“crede que recebestes”), Jesus diz aparentemente que quando pedimos algo, a fé que traz
resultados é a arraigada certeza de que depois de orar pedindo algo (ou talvez depois de já ter
orado por algum tempo), Deus aceitou atender nosso pedido. Na comunhão pessoal com Deus
que se verifica na oração genuína, essa fé da nossa parte só vem quando Deus nos dá um
senso de certeza de que ele já aceitou atender nosso pedido.
3. Obediência.
Como a oração é um relacionamento com um Deus pessoal, qualquer coisa na nossa vida que
lhe desagrade será um obstáculo à oração. Diz o salmista: “Se eu no coração contemplara a
vaidade, o Senhor não me teria ouvido” (Sl 66.18). Se “O sacrifício dos perversos é
abominável ao SENHOR”, por outro lado “a oração dos retos é o seu contentamento” (Pv 15.8).
Lemos também que “O SENHOR […] atende à oração dos justos” (Pv 15.29). Mas Deus não se
dispõe favoravelmente aos que rejeitam suas leis: “O que desvia os ouvidos de ouvir a lei, até
a sua oração será abominável” (Pv 28.9).
4. Confissão dos pecados.
Como nossa obediência a Deus jamais é perfeita nesta vida, continuamente dependemos do
seu perdão dos nossos pecados. A confissão dos pecados é necessária para que Deus “nos
perdoe” para restaurar a sua relação cotidiana conosco (ver Mt 6.12; 1Jo 1.9). É bom orar
confessando todos os pecados conhecidos ao Senhor e suplicar o seu perdão. Às vezes,
quando nele esperamos, ele nos faz lembrar outros pecados que precisamos confessar. Com
respeito aos pecados que não recordamos, ou dos quais não estamos cientes, é sempre bom
fazer a oração genérica de Davi: “Absolve-me das [faltas] que me são ocultas” (Sl 19.12).
5. Perdoar aos outros.
Diz Jesus: “Se perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai celeste vos
perdoará; se, porém, não perdoardes aos homens [as suas ofensas], tampouco vosso Pai vos
perdoará as vossas ofensas” (Mt 6.14-15). Igualmente diz Jesus: “Quando estiverdes orando,
se tendes alguma coisa contra alguém perdoai, para que vosso Pai celestial vos perdoe as
vossas ofensas” (Mc 11.25). Nosso Senhor não tem em mente a experiência inicial de perdão
que vivemos quando somos justificados pela fé, pois isso não conviria a uma oração que se
faz diariamente (ver Mt 6.12 com v. 14-15).
6. Humildade.
Tiago nos diz que “Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes” (Tg 4.6; também
1Pe 5.5). Portanto, recomenda: “Humilhai-vos na presença do Senhor, e ele vos exaltará” (Tg
4.10). A humildade é assim a atitude correta na oração a Deus, enquanto o orgulho é
absolutamente inadequado.
Deus é justamente zeloso da sua própria honra. Portanto não lhe apraz atender as orações dos
orgulhosos que tomam a honra para si, em vez de dá-la a Deus. A verdadeira humildade
diante de Deus, que também se reflete em genuína humildade diante dos outros, é
imprescindível numa oração eficaz.
7. Persistência na oração.
Assim como Moisés por duas vezes permaneceu na montanha durante quarenta dias perante
Deus por causa do povo de Israel (Dt 9.25-26; 10.10-11), e assim como Jacó disse a Deus:
“Não te deixarei ir se me não abençoares” (Gn 32.26), também na vida de Jesus percebemos
muita dedicação de tempo à oração. Quando grandes multidões o seguiam, “ele muitas vezes
se retirava para regiões desertas e orava” (Lc 5.16, tradução do autor). Noutra ocasião,
“passou a noite orando a Deus” (Lc 6.12).
8. Orar com sinceridade.
O próprio Jesus, nosso modelo de oração, orava constantemente. “Ele, Jesus, nos dias da sua
carne, tendo oferecido, com forte clamor e lágrimas, orações e súplicas a quem o podia livrar
da morte e tendo sido ouvido por causa da sua piedade” (Hb 5.7). Em algumas orações da
Bíblia podemos quase ouvir a forte intensidade com que os santos derramavam seus corações
diante de Deus. Daniel brada: “Ó SENHOR, ouve! Ó SENHOR, perdoa! Ó SENHOR, atende-nos e
age; não te retardes, por amor de ti mesmo, ó Deus meu; porque a tua cidade e o teu povo são
chamados pelo teu nome” (Dn 9.19). Quando Deus mostra a Amós o juízo que fará descer
sobre o seu povo, o profeta suplica: “SENHOR Deus, perdoa, rogo-te; como subsistirá Jacó?
Pois ele é pequeno” (Am 7.2).
9. Esperar no Senhor.
Depois de clamar a Deus em busca de auxílio na aflição, Davi diz: “Espera pelo SENHOR, tem
bom ânimo, e fortifique-se o teu coração; espera, pois, pelo SENHOR” (Sl 27.14). Igualmente,
declara: “Pois em ti, SENHOR, espero; tu me atenderás, Senhor, Deus meu” (Sl 38.15).
10. Orar a sós.
Daniel subiu até o seu quarto e “três vezes por dia, se punha de joelhos, e orava, e dava
graças, diante do seu Deus” (Dn 6.10). Jesus freqüentemente saía a lugares solitários para
ficar só e orar (Lc 5.16 et al.). E ele também nos ensina: “Quando orares, entra no teu quarto
e, fechada a porta, orarás a teu Pai, que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te
recompensará” (Mt 6.6). Essa exortação tem como meta evitar o erro dos hipócritas, que
adoravam orar nos cantos das praças “para serem vistos dos homens” (Mt 6.5).
11. Orar com os outros.
Os crentes encontram força ao orar em grupo. De fato, Jesus nos ensina: “Em verdade
também vos digo que, se dois dentre vós, sobre a terra, concordarem a respeito de qualquer
coisa que, porventura, pedirem, ser-lhes-á concedida por meu Pai, que está nos céus. Porque,
onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou no meio deles” (Mt 18.19-20).
12. Jejum.
Na Bíblia a oração está muitas vezes ligada ao jejum. Às vezes são ocasiões de intensa súplica
diante de Deus, como quando Neemias, ao ouvir falar da ruína de Jerusalém, ficou “jejuando
e orando perante o Deus dos céus” (Ne 1.4). Também, quando os judeus ficaram sabendo do
decreto de Assuero, que determinava a morte de todos eles, houve “entre os judeus grande
luto, com jejum, e choro, e lamentação” (Et 4.3); e Daniel buscou ao SENHOR “com oração e
súplicas, com jejum, pano de saco e cinza” (Dn 9.3). Noutras ocasiões, o jejum está ligado ao
arrependimento, pois Deus diz ao povo que pecou contra ele: “Ainda assim, agora mesmo, diz
o SENHOR: Convertei-vos a mim de todo o vosso coração; e isso com jejuns, com choro e com
pranto” (Jl 2.12).
13. Que dizer da oração não atendida?
Precisamos começar reconhecendo que, como Deus é Deus e nós somos suas criaturas,
necessariamente algumas orações não serão atendidas, porque Deus mantém ocultos seus
sábios planos para o futuro, e ainda que as pessoas orem, muitos eventos só ocorrerão no
tempo que Deus determinou. Os judeus oraram durante séculos pela vinda do Messias, e com
razão, mas só na “plenitude do tempo” é que “Deus enviou seu Filho” (Gl 4.4). As almas dos
mártires no céu, livres do pecado, clamam a Deus pelo julgamento da terra (Ap 6.10), mas
Deus não atende imediatamente; antes, ordena que repousem ainda um pouco (Ap 6.11).
D. LOUVOR E AÇÃO DE GRAÇAS
O louvor e a ação de graças a Deus, temas que serão tratados com mais profundidade no
capítulo 51, são um elemento essencial da oração. A oração modelar que Jesus nos legou
começa com uma palavra de louvor: “Santificado seja o teu nome” (Mt 6.9). E Paulo diz aos
filipenses: “… em tudo, porém, sejam conhecidas, diante de Deus, as vossas petições, pela
oração e pela súplica, com ações de graças” (Fp 4.6); e aos colossenses: “Perseverai na
oração, vigiando com ações de graças” (Cl 4.2). A ação de graças, como qualquer outro
aspecto da oração, não deve ser um mecânico “obrigado” a Deus, mas a expressão de palavras
que reflitam a gratidão do nosso coração.
ANJOS
A. QUE SÃO ANJOS?
Podemos dar a anjos a seguinte definição: anjos são seres espirituais criados, dotados de
juízo moral e alta inteligência, mas desprovidos de corpos físicos.
1. Seres espirituais criados.
Os anjos não existem desde sempre; fazem parte do universo que Deus criou. Numa passagem
que se refere aos anjos como as “hostes” dos céus (ou o “exército dos céus”), diz Esdras: “Só
tu és SENHOR, tu fizeste o céu, o céu dos céus e todo o seu exército […] e o exército dos céus
te adora” (Ne 9.6; cf. Sl 148.2, 5). Paulo nos diz que Deus criou todas as coisas, “as visíveis e
as invisíveis”, por meio de Cristo e para ele, e depois inclui especificamente o mundo dos
anjos com a expressão “sejam tronos, sejam soberanias, quer principados, quer potestades”
(Cl 1.16).
2. Outros nomes dos anjos.
As Escrituras por vezes usam outros termos para denominar os anjos, como “filhos de Deus”
(Jó 1.6; 2.1), “santos” (Sl 89.5, 7), “espíritos” (Hb 1.14), “vigilantes” (Dn 4.13, 17, 23),
“tronos”, “soberanias”, “principados”, “potestades” (Cl 1.16) e “poderes” (Ef 1.21).
3. Outros tipos de seres celestiais.
As Escrituras dão nome a outros três tipos de seres celestiais. Quer os consideremos tipos
especiais de “anjos” (num sentido mais amplo do termo), quer seres celestiais distintos dos
anjos, são de qualquer modo criaturas espirituais que servem e adoram a Deus.
a. Os “querubins”. Os querubins receberam a tarefa de guardar a entrada do jardim do Éden
(Gn 3.24), e diz-se freqüentemente que o próprio Deus está entronizado acima dos querubins,
ou viaja com os querubins por carro (Sl 18.10; Ez 10.1-22).
b. Os “serafins”. Outro grupo de seres celestiais, os serafins, são mencionados somente em
Isaías 6.2-7, onde continuamente adoram ao SENHOR e clamam uns para os outros: “Santo,
santo, santo é o SENHOR dos Exércitos; toda a terra está cheia da sua glória” (Is 6.3).
c. Os seres viventes. Ezequiel e Apocalipse nos falam de ainda outro tipo de criaturas celestes,
conhecidas como “seres viventes”, que circundam o trono de Deus (Ez 1.5-14; Ap 4.6-8).
Com os seus semblantes de leão, boi, homem e águia, representam os seres mais poderosos de
partes diversas de toda a criação divina (animais selvagens, animais domesticados, seres
humanos e pássaros) e adoram a Deus continuamente como lemos em Apocalipse 4.8.
4. Hierarquia e ordem entre os anjos. As Escrituras indicam que existe hierarquia e ordem
entre os anjos. Um deles, Miguel, é dito “arcanjo” em Judas 9, título que indica soberania ou
autoridade sobre outros anjos. É chamado “um dos primeiros príncipes” em Daniel 10.13.
5. Nomes de anjos específicos. Só dois anjos são denominados especificamente na Bíblia.
Miguel é mencionado em Judas 9 e Apocalipse 12.7-8, além de Daniel 10.13, 21, onde é
chamado “Miguel, um dos primeiros príncipes” (v. 13). O anjo Gabriel é mencionado em
Daniel 8.16 e 9.21 como mensageiro que vem de Deus para falar ao profeta. Gabriel também
se identifica como mensageiro de Deus a Zacarias e a Maria em Lucas 1, em que o anjo
responde a Zacarias: “Eu sou Gabriel, que assisto diante de Deus” (Lc 1.19).
6. Um só lugar de cada vez. As Escrituras muitas vezes retratam os anjos deslocando-se de
um lugar a outro, como no versículo mencionado acima, em que Gabriel foi “enviado, da
parte de Deus, para uma cidade da Galiléia, chamada Nazaré” (Lc 1.26).
7. Quantos anjos existem? Embora as Escrituras não nos dêem o número de anjos que Deus
criou, é aparentemente um grande número. Lemos que Deus no monte Sinai “veio das
miríades de santos; à sua direita, havia para eles o fogo da lei” (Dt 33.2).
8. As pessoas têm anjos da guarda individuais? As Escrituras claramente nos dizem que Deus
envia anjos para nos proteger: “Aos seus anjos dará ordens a teu respeito, para que te guardem
em todos os teus caminhos. Eles te sustentarão nas suas mãos, para não tropeçares nalguma
pedra” (Sl 91.11-12).
9. Os anjos não se casam. Jesus ensinou que na ressurreição as pessoas “nem casam, nem se
dão em casamento; são, porém, como os anjos no céu” (Mt 22.30; cf. Lc 20.34-36). Isso
sugeriria que os anjos não têm os elos familiares que existem entre os homens. As Escrituras
tratam do assunto só nessa passagem; por isso não nos cabe nos enredar em especulações.
10. O poder dos anjos. Os anjos aparentemente têm grande poder. São chamados “valorosos
em poder, que executais as suas ordens” (Sl 103.20) e “poderes” (cf. Ef 1.21), “soberanias” e
“potestades” (Cl 1.16). Os anjos são aparentemente “maiores em força e poder” do que os
homens rebeldes (2Pe 2.11; cf. Mt 28.2). Pelo menos durante a sua existência terrena, o
homem é “menor do que os anjos” (Hb 2.7).
11. Quem é o anjo do Senhor? Várias passagens bíblicas, especialmente do Antigo
Testamento, falam do anjo do Senhor de um modo que sugere que é o próprio Deus revestido
de forma humana quem aparece rapidamente a várias pessoas do Antigo Testamento.
B. QUANDO OS ANJOS FORAM CRIADOS?
Todos os anjos devem ter sido criados antes do sétimo dia da criação, pois lemos: “Assim,
pois, foram acabados os céus e a terra e todo o seu exército” (Gn 2.1, interpretando “exército”
como as criaturas celestes que habitam o universo de Deus). Ainda mais explícito que isso é a
declaração: “Em seis dias, fez o SENHOR os céus e a terra, o mar e tudo o que neles há e, ao
sétimo dia, descansou” (Êx 20.11). Logo, todos os anjos foram criados no máximo até o sexto
dia da criação.
C. O PAPEL DOS ANJOS NOS DESÍGNIOS DIVINOS
1. Os anjos revelam a grandeza do amor e dos desígnios de Deus para nós.
Os homens e os anjos (empregando o termo num sentido amplo) são as únicas criaturas
morais e altamente inteligentes que Deus criou. Portanto é possível compreender muito sobre
os desígnios e o amor de Deus por nós quando nos comparamos aos anjos.
A primeira distinção a reparar é que jamais se diz que os anjos foram criados “à imagem de
Deus”, enquanto várias vezes se afirma que os homens foram feitos à imagem do Criador (Gn
1.26-27; 9.6). Como ser à imagem de Deus significa ser semelhante a Deus, parece certo
concluir que somos ainda mais semelhantes a Deus do que os anjos.
2. Os anjos nos fazem lembrar que o mundo invisível é real.
Assim como os saduceus no tempo de Jesus diziam “não haver ressurreição, nem anjo, nem
espírito” (At 23.8), também muitos nossos contemporâneos negam a realidade de qualquer
coisa que não se possa ver. Mas o ensino bíblico sobre a existência dos anjos é para nós
constante lembrança de que existe um mundo invisível bastante real. Só quando o Senhor
abriu os olhos do servo de Eliseu à realidade desse mundo invisível é que o servo viu que “o
monte estava cheio de cavalos e carros de fogo, em redor de Eliseu” (2Rs 6.17; um grande
exército de anjos enviado a Dotã para proteger Eliseu dos siros). O salmista também
demonstra consciência do mundo invisível ao encorajar os anjos: “Louvai-o, todos os seus
anjos; louvai-o, todas as suas legiões celestes” (Sl 148.2).
3. Os anjos são exemplos para nós.
Tanto na sua obediência quanto na sua adoração, os anjos nos dão belos exemplos a imitar.
Jesus nos ensina a orar, dizendo: “Faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu” (Mt
6.10). No céu a vontade de Deus é feita pelos anjos — imediata e alegremente, sem
questionamentos. Devemos orar diariamente para que nossa obediência e a obediência dos
outros seja como a dos anjos no céu. Seu prazer é viver como humildes servos de Deus, cada
qual desempenhando fiel e alegremente as suas tarefas, grandes ou pequenas. Devemos
desejar e orar para que nós e os outros façamos o mesmo na terra.
4. Os anjos executam alguns dos desígnios de Deus.
As Escrituras retratam os anjos como servos de Deus que executam alguns dos seus desígnios
na terra. Eles levam as mensagens de Deus às pessoas (Lc 1.11-19; At 8.26; 10.3-8, 22; 27.23-
24). Executam alguns dos juízos de Deus: semeiam uma peste em Israel (2Sm 24.16-17),
castigam os líderes do exército assírio (2Co 32.21), ferem de morte o rei Herodes por não ter
ele rendido glórias a Deus (At 12.23) e derramam as taças da ira de Deus sobre a terra (Ap
16.1). Quando Cristo voltar, os anjos o ladearão como um grande exército acompanhando seu
Rei e Senhor (Mt 16.27; Lc 9.26; 2Ts 1.7).
5. Os anjos glorificam diretamente a Deus.
Os anjos também cumprem outra função: servem diretamente a Deus, glorificando-o. Assim,
além dos seres humanos, há no universo outras criaturas inteligentes e morais que glorificam a
Deus.
D. NOSSA RELAÇÃO COM OS ANJOS
1. Devemos ter consciência dos anjos no dia-a-dia.
As Escrituras deixam claro que Deus quer que nos mantenhamos conscientes da existência
dos anjos e da natureza da sua atividade. Não devemos, portanto, supor que a doutrina bíblica
sobre os anjos não tem absolutamente nada que ver conosco hoje. Antes, a vida dos cristãos se
enriquece em vários aspectos pela consciência da existência e do ministério dos anjos no
mundo de hoje.
2. Precauções a tomar na nossa relação com os anjos
a. Recuse-se a receber falsas doutrinas de anjos. A Bíblia nos alerta para o perigo de receber
falsas doutrinas de supostos anjos: “Mas, ainda que nós ou mesmo um anjo vindo do céu vos
pregue evangelho que vá além do que vos temos pregado, seja anátema” (Gl 1.8). Paulo faz
esse alerta porque sabe que existe a possibilidade da fraude. Diz: “O próprio Satanás se
transforma em anjo de luz” (2Co 11.14). Do mesmo modo, o profeta mentiroso que enganou o
homem de Deus em 1Reis 13 disse: “Um anjo me falou por ordem do SENHOR, dizendo:
Faze-o voltar contigo a tua casa, para que coma pão e beba água” (1Rs 13.18). Contudo, o
texto bíblico acrescenta imediatamente, no mesmo versículo: “Porém mentiu-lhe”.
b. Não adore os anjos, nem lhes dirija oração, nem os procure. O “culto de anjos” (Cl 2.18)
era uma das falsas doutrinas ensinadas em Colossos. Além disso, o anjo que falou a João no
livro do Apocalipse exorta o apóstolo a não adorá-lo: “Vê, não faças isso; sou conservo teu e
dos teus irmãos que mantêm o testemunho de Jesus; adora a Deus” (Ap 19.10).
c. Será que os anjos ainda hoje aparecem às pessoas? No período inicial da história da igreja,
os anjos se achavam ativos. Um anjo disse a Filipe que viajasse para o sul, tomando a estrada
que ia de Jerusalém a Gaza (At 8.26), orientou Cornélio a enviar um mensageiro até Jope para
mandar chamar Pedro (At 10.3-6), exortou Pedro a que se erguesse para sair da prisão (At
12.6-11) e prometeu a Paulo que ninguém do navio pereceria e que ele, assim, compareceria
perante César (At 27.23-24). Além disso, o autor de Hebreus encoraja seus leitores, nenhum
deles apóstolos nem mesmo crentes da primeira geração ligada aos apóstolos (ver Hb 2.3), a
que eles continuem a demonstrar hospitalidade a estranhos, aparentemente com a expectativa
de que também possam um dia receber anjos sem o perceber (Hb 13.2).
SATANÁS E OS DEMÔNIOS
O capítulo anterior nos leva naturalmente à consideração de Satanás e dos demônios, pois são
anjos maus que um dia foram como os bons, mas pecaram e perderam o privilégio de servir a
Deus. A exemplo dos anjos, também são seres espirituais criados, dotados de discernimento
moral e elevada inteligência, mas desprovidos de corpos físicos. Podemos dar-lhes a seguinte
definição: demônios são anjos maus que pecaram contra Deus e hoje continuamente praticam
o mal no mundo.
A. A ORIGEM DOS DEMÔNIOS
Quando criou o mundo, “Viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom” (Gn 1.31).
Isso significa que mesmo o mundo angélico que Deus criara não tinha ainda anjos maus ou
demônios naquele momento. Mas já em Gênesis 3, vemos que Satanás, na forma de uma
serpente, tentava Eva ao pecado (Gn 3.1-5). Portanto, em algum momento entre os eventos de
Gênesis 1.31 e Gênesis 3.1 deve ter havido uma rebelião no mundo angélico, na qual muitos
anjos se voltaram contra Deus e se tornaram maus.
B. SATANÁS COMO CHEFE DOS DEMÔNIOS
“Satanás” é o nome do chefe dos demônios. Esse nome é mencionado em Jó 1.6, onde lemos:
“… os filhos de Deus vieram apresentar-se perante o SENHOR, veio também Satanás entre
eles” (ver também Jó 1.7-2.7). Aqui ele aparece como inimigo do Senhor, que impõe severas
tentações a Jó. Do mesmo modo, perto do fim da vida de Davi, “Satanás se levantou contra
Israel e incitou a Davi a levantar o censo de Israel” (1Cr 21.1). Além disso, Zacarias teve uma
visão e contemplou “o sumo sacerdote Josué, o qual estava diante do Anjo do SENHOR, e
Satanás [que] estava à mão direita dele, para se lhe opor” (Zc 3.1). O nome “Satanás” é uma
palavra hebraica (sªtªn) que significa “adversário”.6 O Novo Testamento também usa o nome
“Satanás”, simplesmente tomando-o emprestado ao Antigo Testamento. Assim Jesus, sendo
tentado no deserto, fala a Satanás diretamente, dizendo: “Retira-te, Satanás” (Mt 4.10) ou “Eu
via Satanás caindo do céu como um relâmpago” (Lc 10.18).
C. A ATIVIDADE DE SATANÁS E DOS DEMÔNIOS
1. Satanás originou o pecado.
Satanás pecou antes que qualquer ser humano o fizesse, como se depreende do fato de ele (na
forma de uma serpente) ter tentado Eva (Gn 3.1-6; 2Co 11.3). O Novo Testamento também
nos informa que Satanás “foi homicida desde o princípio” e é “mentiroso e pai da mentira”
(Jo 8.44). Também diz que “o Diabo vive pecando desde o princípio” (1Jo 3.8). Nos dois
textos, a expressão “desde o princípio” não implica que Satanás é mau desde o início da
criação do mundo (“desde o princípio do mundo”) nem desde o início da sua existência
(“desde o princípio da sua vida”), mas sim desde a fase “inicial” da história do mundo
(Gênesis 3 e mesmo antes). O Diabo se caracteriza por ter dado origem ao pecado e por tentar
os outros ao pecado.
2. Os demônios se opõem a toda obra de Deus, tentando destruí-la.
Assim como Satanás levou Eva a pecar contra Deus (Gn 3.1-6), também tentou fazer Jesus
pecar e assim falhar na sua missão de Messias (Mt 4.1-11). As táticas de Satanás e dos seus
demônios são a mentira (Jo 8.44), o engano (Ap 12.9), o homicídio (Sl 106.37; Jo 8.44) e todo
e qualquer tipo de ação destrutiva no intuito de fazer as pessoas se afastarem de Deus, rumo à
destruição. Os demônios lançam mão de qualquer artifício para cegar as pessoas ao
evangelho (2Co 4.4) e mantê-las presas a coisas que as impedem de aproximar-se de Deus (Gl
4.8). Também procuram usar a tentação, a dúvida, a culpa, o medo, a confusão, a doença, a
inveja, o orgulho, a calúnia, ou qualquer outro meio para obstruir o testemunho e a utilidade
do cristão.
3. Contudo, os demônios estão limitados pelo controle de Deus e têm poder restrito.
A história de Jó deixa claro que Satanás podia fazer só o que Deus lhe permitia, e nada mais
(Jó 1.12; 2.6). Os demônios são mantidos em “algemas eternas” (Jd 6), e os cristãos podem
muito bem resistir-lhes por intermédio da autoridade que Cristo nos legou (Tg 4.7).
4. Verificam-se diferentes estágios de atividade demoníaca na história da redenção.
a. No Antigo Testamento. Como no Antigo Testamento a palavra demônio não é usada com
freqüência, de início podemos ter a impressão de que há pouca indicação de atividade
demoníaca. Todavia, o povo de Israel freqüentemente pecava servindo a falsos deuses, e
quando nos damos conta de que esses falsos “deuses” eram na verdade forças demoníacas,
compreendemos que muitas passagens do Antigo Testamento de fato se referem a demônios.
b. No ministério de Jesus. Após centenas de anos de incapacidade de alcançar um triunfo real
sobre as forças demoníacas, é compreensível que quando Jesus surgiu expulsando demônios
com absoluta autoridade, as pessoas tenham ficado assombradas: “Todos se admiravam, a
ponto de perguntarem entre si: Que vem a ser isto? Uma nova doutrina! Com autoridade ele
ordena aos espíritos imundos, e eles lhe obedecem!” (Mc 1.27). Jamais se vira na história do
mundo tamanho poder sobre as forças demoníacas.
c. Na era da nova aliança. Essa autoridade sobre as forças demoníacas não se limitava apenas
a Jesus, pois ele concedeu autoridade semelhante primeiro aos Doze (Mt 10.8; Mc 3.15) e em
seguida aos setenta discípulos. Depois de um período de ministério, “regressaram os setenta,
possuídos de alegria, dizendo: Senhor, os próprios demônios se nos submetem pelo teu
nome!” (Lc 10.17). Jesus respondeu: “Eu via Satanás caindo do céu como um relâmpago” (Lc
10.18), indicando novamente um grande triunfo sobre o poder de Satanás (isso, repetimos,
provavelmente ocorreu no momento da vitória de Jesus sobre a tentação no deserto, mas as
Escrituras não indicam explicitamente quando isso aconteceu).
d. No milênio. Durante o milênio, o futuro reinado de mil anos de Cristo na terra, mencionado
em Apocalipse 20, a atividade de Satanás e dos demônios ficará ainda mais restrita. Usando
linguagem que sugere uma restrição muito maior da atividade satânica do que a que
presenciamos hoje, João descreve assim a visão que teve do início do milênio em Apocalipse
20:1-3:
e. No juízo final. Ao final do milênio, Satanás é solto e reúne as nações para a batalha, mas é
definitivamente derrotado e “lançado para dentro do lago de fogo e enxofre” e atormentado
“de dia e de noite, pelos séculos dos séculos” (Ap 20.10). Então o juízo de Satanás e seus
demônios estará completo.
D. NOSSA RELAÇÃO COM OS DEMÔNIOS
1. Estariam os demônios ainda hoje ativos no mundo?
Algumas pessoas, influenciadas por uma cosmovisão naturalista, que só admite a realidade
que se pode ver, tocar ou ouvir, negam que existem hoje demônios, argumentando que a
crença nessa realidade reflete uma visão de mundo obsoleta ensinada na Bíblia e em outras
culturas antigas. Por exemplo, o alemão Rudolf Bultmann, estudioso do Novo Testamento,
negava enfaticamente a existência de um mundo sobrenatural de anjos e demônios. Ele
argumentava que essas coisas não passavam de “mitos” e que era necessário “demitizar” a
mensagem do Novo Testamento, eliminando esses elementos mitológicos para que o
evangelho pudesse ser recebido por pessoas modernas, doutrinadas pela ciência. Outros
propuseram que o equivalente contemporâneo da (inaceitável) atividade demoníaca
mencionada nas Escrituras é a influência poderosa e às vezes maligna de organizações e
“estruturas” da sociedade atual — governos malignos e poderosas corporações maléficas que
controlam milhares de pessoas são por vezes ditos “demoníacos”, especialmente nos escritos
de teólogos mais liberais.
2. O mal e o pecado vêm, em parte (mas não totalmente), de Satanás e dos demônios.
Quando refletimos sobre a ênfase global das epístolas do Novo Testamento, percebemos que
se dá bem pouco espaço à discussão da atividade demoníaca na vida dos crentes, ou aos
métodos de resistir e fazer frente a essa atividade. A ênfase está em exortar os crentes a não
pecar, levando uma vida de justiça. Por exemplo, em 1Coríntios, diante do problema das
“divisões”, Paulo não diz à igreja que repreenda o espírito da divisão, mas os aconselha
simplesmente a falar “a mesma coisa” e a mostrar-se “unidos, na mesma disposição mental e
no mesmo parecer” (1Co 1.10).
3. Será que um cristão pode ser possuído por demônios?
Possessão demoníaca é uma expressão infeliz que se insinuou em algumas traduções da
Bíblia, mas que na verdade não espelha bem o texto grego. O Novo Testamento grego fala de
gente que “tem demônio” (Mt 11.18; Lc 7.33; 8.27; Jo 7.20; 8.48, 49, 52; 10.20), ou de gente
que sofre de influência demoníaca (gr. daimonizomai), mas jamais usa linguagem que sugira
real-mente que um demônio “possui” alguém.
4. Como reconhecer influências demoníacas?
Em casos graves de influência demoníaca, como os relatados nos evangelhos, a pessoa afetada
exibe atitudes bizarras e muitas vezes violentas, especialmente diante da pregação do
evangelho. Quando Jesus entrou na sinagoga em Cafarnaum, “não tardou que aparecesse na
sinagoga um homem possesso de espírito imundo, o qual bradou: Que temos nós contigo,
Jesus Nazareno? Vieste para perder-nos? Bem sei quem és: o Santo de Deus!” (Mc 1.23-24).
O homem (ou, mais precisamente, o demônio que estava dentro do homem) pôs-se de pé e
interrompeu o culto, berrando essas coisas.
5. Jesus dá a todos os crentes a autoridade de repreender demônios e de ordenar que
saiam.
Quando Jesus enviou os doze discípulos à frente dele para pregar o reino de Deus, “deu-lhes
poder e autoridade sobre todos os demônios” (Lc 9.1). Depois de pregar o reino de Deus em
cidades e vilarejos, os setenta voltaram exultantes, dizendo: “Senhor, os próprios demônios se
nos submetem pelo teu nome!” (Lc 10.17). Jesus então lhes falou: “Eis aí vos dei autoridade
[…] sobre todo o poder do inimigo” (Lc 10.19). Quando Filipe, o evangelista, desceu até
Samaria para pregar o evangelho de Cristo, “espíritos imundos saíram de muitos que os
tinham” (At 8.7, tradução do autor), e Paulo usou a sua autoridade espiritual sobre os
demônios para dizer a um espírito de adivinhação que entrara numa moça: “Em nome de
Jesus Cristo, eu te mando: retira-te dela” (At 16.18).
6. O uso correto da autoridade espiritual do cristão no ministério junto a outras pessoas.
Deixando a discussão da batalha espiritual particular, na nossa vida como na vida dos
familiares mais próximos, passamos à questão do ministério pessoal direto junto a outras
pessoas que sejam vítimas de ataques espirituais. Por exemplo, podemos aconselhar outra
pessoa, ou talvez orar por ela, quando desconfiamos que a atividade demoníaca é um dos
fatores que provocaram o seu problema. Nesses casos, é bom ter em mente algumas outras
considerações.
7. Devemos crer que o evangelho vá triunfar poderosamente das obras do Diabo.
Quando Jesus surgiu pregando o evangelho na Galiléia, “também de muitos saíam demônios”
(Lc 4.41). Quando Filipe foi a Samaria pregar o evangelho, “os espíritos imundos de muitos
[…] saíam gritando em alta voz” (At 8.7). Jesus incumbiu Paulo de pregar entre os gentios
para convertê-los “das trevas para a luz e da potestade de Satanás para Deus, a fim de que
recebam eles remissão de pecados e herança entre os que são santificados pela fé em mim”
(At 26.18). Sua obra de proclamação do evangelho, disse Paulo, não consistiu “em linguagem
persuasiva de sabedoria, mas em demonstração do Espírito e de poder, para que a vossa fé não
se apoiasse em sabedoria humana, e sim no poder de Deus” (1Co 2.4-5; cf. 2Co 10.3-4). Se
realmente cremos no testemunho bíblico da existência e da atividade dos demônios e se
acreditamos que “para isto se manifestou o Filho de Deus: para destruir as obras do Diabo”
(1Jo 3.8), então é de esperar que mesmo hoje, quando se proclama o evangelho aos incrédulos
e quando se ora pelos crentes que talvez se achem ainda despercebidos dessa dimensão de
conflito espiritual, haja um triunfo verdadeiro e muitas vezes imediatamente reconhecível
sobre o poder do inimigo. Devemos esperar que isso aconteça, considerá-lo parte normal da
obra de Cristo na edificação do seu reino e nos alegrar com a vitória que ele nisso alcança.
“TEOLOGIA” - A DOUTRINA DE DEUS - (PARTE I)
“TEOLOGIA” - A DOUTRINA DE DEUS - (PARTE II)
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