O NOVO CURRÍCULO ESCOLAR E O BANIMENTO DA HISTÓRIA DO CRISTIANISMO – PASTOR VALMIR NASCIMENTO É MINISTRO DO EVANGELHO, JURISTA, TEÓLOGO E MESTRANDO EM TEOLOGIA. POSSUI PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO E ANTROPOLOGIA DA RELIGIÃO. PROFESSOR UNIVERSITÁRIO DE DIREITO RELIGIOSO, ÉTICA E TEOLOGIA. EDITOR DA REVISTA ACADÊMICA ENFOQUE TEOLÓGICO (FEICS)
No início deste ano circulou pela Internet a notícia de que o Governo
Federal estaria arquitetando um plano para banir do currículo escolar do país a
história do Cristianismo. O alerta teria partido do professor e historiador
Marco Antônio Villa, em sua coluna no jornal ´O Globo´. Mas, ao ler o artigo “A
revolução cultural do PT” percebi que Villa chamava a atenção para uma certa
“Base Nacional Comum Curricular” (BNC), um plano do Ministério da Educação que
pretende reformular a matriz educacional do país. De acordo com o historiador o
documento está recheado de equívocos e de desconhecimento da História. Isso
porque, só para ficar em alguns exemplos do ensino médio, o novo currículo não
contempla o ensino da História Antiga englobando-se aí estudo da Mesopotâmia,
Egito, cultura grega, Império Romano e, é claro, o nascimento do Cristianismo.
A História Medieval também foi desprezada, desconsiderando-se a expansão do
Cristianismo e seus reflexos na cultura ocidental; as transformações
econômico-políticas, especialmente a partir do século XI. A afirmação de que
governo estaria idealizando um plano para banir a história do Cristianismo do
currículo escolar nacional, portanto, não representa completamente a realidade
dos fatos. Para sermos exatos, tal banimento ocorre como a consequência lógica
da desconstrução de grande parte da História mundial, principalmente do
Ocidente, mediante a retirada de certos períodos da humanidade do ensino
escolar básico. A História do pensamento cristão é afetada certamente, assim
como os relatos do mundo greco-romano e as grandes revoluções mundiais. Seja
como for, a notícia evoca certa preocupação e nos conclama a refletir sobre as
implicações práticas desse novo programa curricular. Afinal, longe de
representar uma mera direção pedagógica do Ministério da Educação, a escolha do
conteúdo fundamental para a formação básica dos estudantes se fundamenta em
certas inspirações ideológicas, que influenciam a forma de pensar e a visão de
mundo das pessoas. O currículo, segundo afirma o material de divulgação do governo,
“precisa preparar os alunos para a vida”[1]. Considerando que o ser humano é
influenciado em grande medida por aquilo que aprende, somos impelidos a
perceber que há muita coisa em jogo nesta proposta do governo federal, com
impacto significativo a longo prazo. Desenvolvida por determinação do Plano
Nacional de Educação (PNE) a proposta da BNC – ainda em fase de consulta
pública até 15 de março – prevê quatro áreas de conhecimento: Matemática,
Linguagens, Ciências da Natureza e Humanas; sendo esta última a que mais
inspira críticas e preocupação, onde está alocada a História. A compreensão da
História é importante porque, como escreveu Michael D. Palmer, “toda importante
teoria de fundo do universo também afirma ou implica algo sobre a história em
sua ideologia”[2]. Enquanto os cristãos, por exemplo, olham para o passado da
humanidade e o desenvolvimento histórico à luz do propósito divino, os
naturalistas afirmam uma visão cegamente mecânica, como produto dos seres
humanos interagindo entre si e com as forças naturais impessoais [3]. Desse
modo, a própria metodologia empregada para o ensino dessa disciplina direciona
o modo como os alunos podem compreender boa parte da dimensão da vida e da
construção dos valores. Por isso, quando usada de forma negativa, a História
pode servir como ferramenta de doutrinação ideológica, dominação e ocultação da
verdade. Regimes totalitaristas são pródigos em tentar desconstruir o passado e
recontá-lo de acordo com sua conveniência. O livro “1984” do escritor George
Orwell demonstra isso de modo brilhante. Nesta obra de ficção, a autoridade
máxima (o Partido) fazia de tudo para alterar a realidade do passado, apagando
e reescrevendo, inclusive, o conteúdo dos livros históricos. De volta ao
currículo, percebe-se que a proposta apresenta uma metodologia pedagógica
multiculturalista, que pretende levar o aluno a conhecer a história a partir da
realidade sociocultural brasileira. O novo currículo abandona a estrutura
clássica da história baseada no esquema temporal (Antiguidade, Idade Média,
Idade Moderna, Idade Contemporânea), colocando em seu lugar um método baseado
nos diferentes “mundos”: Mundos brasileiros; Mundos ameríndios, africanos e
afro-brasileiros; Mundos americanos e; Mundos europeus e asiáticos. Além de
retirar a perspectiva cronológica do desenvolvimento da humanidade, criando uma
História sem tempo [4], a nova metodologia materializa a aversão ao chamado
eurocentrismo (a Europa como o centro), e tudo o que isso representa,
especialmente as grandes navegações e as conquistas da Europa cristã. E assim,
contra essa visão “imperialista e conquistadora”, como costumam rotular,
apresenta-se um ensino baseado nos diferentes “mundos” e diferentes culturas. Embora a crítica ao eurocentrismo não seja de
todo equivocada, a desconstrução do modelo clássico, na forma proposta, é
perigosa, pois desconsidera as importantes contribuições do Cristianismo no
percurso das civilizações. Demétrio Magnóli observou que: “Sem a Idade Média
europeia, [os alunos] jamais entenderão a importância das religiões monoteístas
na formação de sociedades que, pela primeira vez, englobaram grupos geográfica
e culturalmente diversos por meio de valores éticos universalistas” [5]. A
fragmentação da história tenta apagar a marcante linha da influência da cristandade
sobre o ocidente, suas tradições e cultura, apresentando em seu lugar um
panorama segmentando do mundo, que não apenas reconhece, mas incentiva o
multiculturalismo. Diante das evidências inegáveis do passado, desconsiderar a
contribuição do Cristianismo na história mundial é um ato insano, que somente
pode ser compreendido como uma tentativa de manipulação pela mentalidade
pós-cristã e secularizada do nosso tempo. Isso porque, como demonstra o
historiador Chistopher Dawson [6], a religião é a alma da cultura e o
Cristianismo, especialmente, se tornou uma força moral e social no mundo
ocidental, a partir do pressuposto que Deus se importa com o homem e com a
história do mundo. Segundo Dawson, ou reapropriamos uma cultura cristã vital ou
avançamos em direção a expressões mais perigosas e alienadas de consumismo e
totalitarismo. Desse modo, ainda que não
seja o objetivo direto do novo currículo escolar banir o ensino da história do
Cristianismo, o modelo pedagógico proposto parece partir de uma perspectiva
ideológica que rejeita suas contribuições históricas. Diante disso e da
importância do currículo básico para a formação dos estudantes, é indispensável
que os cristãos em geral, principalmente os especialistas na área, analisem com
cuidado e discernimento (1 Co 2.15) o teor do documento, a fim de antever as
suas implicações para a sociedade em geral; não somente a respeito deste tema,
mas de muito outros que constam na proposta.
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