MENTE, CORAÇÃO E VONTADE - DEPRESSÃO ESPIRITUAL - D. M. LLOYD-JONES
"Mas graças a Deus que,
tendo sido servos do pecado, obedecestes de coração à forma de doutrina a que
fostes chamados". Romanos 6:17 Esta é a versão deste versículo conforme se
encontra na Edição Revista e Corrigida da tradução da Bíblia em Português. Na
Versão Revisada da língua inglesa, encontramos a expressão "padrão de
ensinamento" em vez de "forma de doutrina". Obviamente, as duas
frases têm o mesmo significado, e chamo atenção para este versículo porque
quero continuar nossa reflexão sobre a causa e a cura da "depressão
espiritual" através dele. Ao fazer isto, notaremos que as formas que este
problema pode tomar parecem ser quase infinitas. Ele se apresenta de tantas
formas e aspectos diferentes, que muitos tropeçam neste fato. Admiram-se que
esta única doença, esta condição espiritual, possa apresentar tantos sintomas e
manifestações diferentes, e é claro que a sua ignorância do problema pode
levá-los à própria condição que estamos considerando. O tipo de pessoa que
pensa que desde o momento que aceitamos o Senhor Jesus Cristo todos os nossos
problemas ficam para trás, e "viveremos felizes para sempre"
cer-tamente sofrerá de depressão espiritual algum dia. Somos levados a esta
vida maravilhosa, a esta condição, pela graça de Deus. Mas não devemos esquecer
que contra e acima de nós existe outro poder. Pertencemos ao reino de Deus, mas
a Bíblia nos previne que somos confrontados por outro reino, que também é um
reino espiritual, e que nos ataca e sitia a toda hora. Enfrentamos uma
"luta da fé", e "não temos que lutar contra a carne e o sangue,
mas sim contra os principados, contra as potestades, contra os príncipes das
trevas deste século, contra as hostes espirituais da maldade, nos lugares
celestiais" (Efésios 6:12). Por isso, temos que estar preparados para a
ocorrência desta condição que estamos considerando, e sua manifestação em todos
os tipos de pessoas e cm muitas formas diferentes. O que melhor caracteriza as
atividades de Satanás é a sua astúcia. Ele não só é capaz e poderoso, ele é
astuto; de fato, o apóstolo Paulo nos diz que, se for necessário, ele pode
transformar-se num anjo de luz. O que ele mais deseja é arruinar e destruir a
obra de Deus. E não há outra obra que ele mais deseja destruir do que a obra da
graça de nosso Senhor Jesus Cristo. Portanto, desde o momento em que nos
tornamos cristãos, passamos a ser objetos da atenção de Satanás. Por essa razão
Tiago diz: "Meus irmãos, tende por motivo de toda alegria o passardes por
várias provações". Devemos nos regozijar, pois isto é uma prova da nossa
fé. A partir do momento que nos tornamos cristãos o diabo tenta nos desanimar,
e a melhor maneira para ele conseguir isso é fazer com que fiquemos abatidos,
ou, segundo Charles Lamb, fazer com que soframos de "caxumba e
sarampo" da alma. Cristãos desse tipo são como crianças doentias, que não
crescem nem manifestam saúde e vigor; e qualquer cristão nessa condição é, de
certa maneira, uma negação da sua fé, e isso agrada a Satanás. Por isso, ele
está preocupado em produzir essa condição em nós e não há limites para as
maneiras em que ela pode nos afetar, e como ela pode se manifestar em nós.
Devemos ter em mente que as manifestações dessa condição são as mais variadas
possíveis. Chamo sua atenção agora para outra causa geral da depressão
espiritual, a qual foi mencionada no versículo que estamos considerando. Este
versículo é uma descrição positiva do cristão, mas podemos usá-lo de forma
negativa. A ausência de conformidade com a descrição apresentada neste
versículo é uma das causas mais comuns da depressão espiritual. Este versículo
oferece uma descrição absoluta do cristão. Paulo diz: "Vocês eram servos
de Satanás, estavam sob o seu domínio. Estiveram nessa situação, mas não estão
mais". Ele agradece a Deus por poder afirmar que, apesar de terem estado
nessa situação, agora não estão mais. Por que não? Por esta razão:
"Obedecestes de coração à forma de doutrina que vos foi entregue" ou
"a que fostes entregues". Ora essa é a descrição que o apóstolo faz
de um cristão. Notem que o apóstolo Paulo quer enfatizar a totalidade da vida
cristã, o equilíbrio da vida cristã. É uma vida na qual há obediência — aí está
a vontade, "de coração" — a emoção, a sensibilidade; "à forma de
doutrina" — que veio à mente e ao entendimento. Assim, ao descrever o
cristão, ele enfatiza que existe uma inteireza na sua vida. O homem está
integralmente envolvido: sua mente, seu coração e sua vontade. Uma das causas
mais comuns da depressão espiritual é a falha em reconhecer que a vida cristã é
uma vida integral, uma vida equilibrada. A falta de equilíbrio é uma das
principais causas de problemas, discórdias e inquietações na vida de um
cristão. Mais uma vez devo indicar que a causa desta falta de equilíbrio,
receio que muito frequentemente, cai sobre o pregador ou evangelista. Em geral,
cristãos desequilibrados são produtos de pregadores ou evangelistas cuja
doutrina não possui suficiente equilíbrio, vigor ou integridade. Através dos
nossos estudos, vemos cada vez mais como são importantes as circunstâncias do
nascimento de um cristão. Às vezes penso que alguém deveria pesquisar e investigar
o relacionamento entre a vida posterior do cristão e os meios ou métodos
empregados na sua conversão. Tenho certeza que seria muito significativo e
interessante. As crianças em geral herdam características dos pais, e
recém-convertidos tendem a apresentar características parecidas com as pessoas
que foram usadas por Deus na sua conversão. Além disso, o tipo de reunião na
qual se deu a conversão tende a influenciar a vida posterior do cristão. Isto
acontece com mais frequência do que imaginamos. Já mencionamos isto num dos
capítulos anteriores, e é muito importante em relação ao assunto que agora
estamos considerando. É isto que explica a existência de diferentes tipos de
cristãos que apresentam certas características. Todos os membros de um grupo em
geral são muito parecidos, e existe um certo caráter comum entre eles, enquanto
que outros são diferentes. Ora, até onde isto é uma realidade para nós, até que
ponto possuímos estas características peculiares associadas a algum tipo
particular de ministério, esta é a extensão da probabilidade de sermos vítimas
desta falta de equilíbrio que, em última análise, vai se manifestar em
infelicidade e miséria. O apóstolo Paulo levanta este assunto, ao escrever aos
cristãos de Roma, pois o mesmo sempre causa problemas de ordem prática. Não
podemos saber ao certo se ele imaginou esta situação para poder rebatê-la, ou
se ela realmente existia em Roma. Pode ser que realmente havia pessoas que
diziam: "Permaneceremos no pecado, para que seja a graça mais abundante?"
Pode ser também que o apóstolo Paulo, após estabelecer sua doutrina da
justificação pela fé, tenha pensado: "Há um perigo em deixar o assunto
assim. Algumas pessoas poderão dizer: "Pois bem, deveremos então
permanecer no pecado, para que a graça seja mais abundante?" Ele diz que,
onde o pecado abundou antes, a graça foi muito mais abundante. Havia pessoas na
Igreja Primitiva que argumentavam assim, e ainda hoje existem pessoas que
tendem a fazer a mesma coisa. Elas tomam a seguinte atitude: "Bem, conforme
esta doutrina, não importa o que o homem faça. Quanto mais ele peca, tanto mais
Deus será glorificado ao perdoá-lo. Não importa o que cu faço, pois sendo
cristão, estou coberto pela graça". Mas, o que o apóstolo Paulo nos diz
sobre isso? Ele responde que só pode pensar assim quem não entende o
ensinamento. A pessoa que compreendeu o ensinamento nunca faria deduções deste
tipo; seria impossível. Paulo responde imediatamente: "De modo nenhum;
vocês que estão mortos para o pecado (é isto que venho' pregando), não podem
mais viver nele". O cristão está agora "em Cristo", portanto ele
não só morreu com Ele, mas também ressuscitou com Ele. Só pode fazer uma
pergunta terrível como esta — "devemos permanecer no pecado para que a
graças seja mais abundante?" — o homem que realmente não compreendeu o
ensinamento. O objetivo do apóstolo neste capítulo é mostrar a importância de
compreender o equilíbrio da verdade, a importância de tomar para si o evangelho
como um todo e de ver que, se realmente o compreendemos, ele nos levara inevitavelmente
a certas consequências. Gostaria de dividir o assunto resumidamente. Há certos
princípios enunciados aqui. O primeiro é que a depressão espiritual, ou
infelicidade na vida cristã, é muitas vezes devida à falha em perceber a
grandeza do evangelho. O apóstolo fala sobre "a forma de doutrina a que
fostes entregues" e se refere ao "padrão de ensinamento". As
pessoas muitas vezes são infelizes na vida cristã porque encaram o cristianismo
e toda a mensagem do evangelho em termos inadequados. Algumas pessoas pensam
que o cristianismo é meramente uma mensagem de perdão. Se lhes perguntarem o
que é o cristianismo, responderão: "Se você crê no Senhor Jesus Cristo, os
seus pecados são perdoados". E param por aí. Não vão além disso. Essas
pessoas são infelizes devido certas coisas em seu passado, e ouvem dizer que
Deus quer perdoá-las através de Cristo. Elas recebem o perdão e param ali mesmo
— esse é todo o seu cristianismo. Outros concebem o cristianismo apenas como
moralidade. Estes acham que não têm necessidade de perdão, mas buscam um estilo
de vida exaltado. Querem praticar o bem neste mundo, e para eles o cristianismo
é um bom sistema moral e ético. Tais indivíduos estão destinados à
infelicidade. Certos problemas, que não são resolvidos pela moralidade,
inevitavelmente surgirão em suas vidas — a morte de um ente querido, problemas
em algum relacionamento pessoal. A moralidade e a ética não podem ajudá-los
nestes casos, e aquilo que eles consideram o evangelho é inútil nestas
situações. Eles se tornam infelizes quando recebem algum golpe porque nunca
tiveram uma visão adequada do evangelho. Tiveram somente uma visão parcial;
viram somente um aspecto dele. Outros se interessam pelo cristianismo por
acharem que é algo bom e bonito. Ele exerce um apelo estético sobre tais
pessoas. É nesses termos que eles descrevem o evangelho, e toda a sua mensagem
é para eles algo muito lindo e bom, e se sentem melhor ao escutá-lo. Estou
colocando todos estes pontos de vista parciais e incompletas em contraste com
aquilo que o apóstolo menciona como "forma de doutrina", "padrão
de ensinamento", a grande verdade que ele elabora nesta epístola aos
Romanos com seus poderosos argumentos e proposições e. seus vôos de imaginação
espiritual. Isso é o evangelho — todas as "infinidades e imensidades"
(para citar uma frase de Thomas Carlyle) desta epístola, e das epístolas nos
Efésios e aos Colossenses — esse é o evangelho. Devemos ter vima compreensão
precisa destas coisas. Mas alguém pode dizer: "Quando falam sobre a epístola
aos Efésios ou a epístola aos Colossenses, certamente você não estão falando
sobre a mensagem do evangelho. Pela mensagem do evangelho, falamos às pessoas a
respeito do perdão dos pecados." Em certo sentido, isto está correto, mas
em outro sentido, está errado. Eu recebi uma carta de um homem que assistiu
aqui a uma reunião de domingo à noite e ele disse que fez uma descoberta;
descobriu que num culto evangelístico também havia algo para os convertidos.
Ele disse: "Eu nunca linha compreendido que isso poderia acontecer. Não
sabia que num mesmo culto, uma mensagem evangelística podia ser pregada nos
não-crentes, e que ao mesmo tempo haveria uma mensagem para os convertidos, a
qual poderia perturbá-los". Ora aquele homem estava fazendo uma grande
confissão. Ele estava me revelando qual era o seu ponto de vista do evangelho
até aquele ponto. Tinha uma compreensão parcial, incompleta, selecionando
apenas uma ou duas coisas. Não, a maneira certa de evangelizar é transmitir
"todo o conselho de Deus". Mas as pessoas dizem que estão muito
ocupadas, ou que não podem seguir tudo aquilo. Eu gostaria de lembrar-lhes que
o apóstolo Paulo pregava esse tipo de coisa a escravos. "Não foram
chamados muitos poderosos, nem muitos de nobre nascimento". Isto foi o que
ele lhes deu — esta tremenda apresentação da verdade. O evangelho não é algo
parcial ou fragmentado; ele envolve a vida inteira, toda a história, o mundo
inteiro. Ele nos fala sobre a criação e sobre o julgamento final, e tudo que
está entre os dois. É uma visão completa da vida, e muitos são infelizes na
vida cristã porque nunca compreenderam que esta maneira de viver trata da
totalidade da vida do homem, e cobre cada aspecto de sua experiência.. Não há
um aspecto da vida sobre o qual o evangelho não tem algo a dizer. A totalidade
da vida deve estar debaixo da influência do evangelho porque ele mgloba tudo; o
evangelho deveria controlar e governar tudo em nossa vida. Se não compreendemos
isso, mais cedo ou mais tarde nos encontraremos numa situação infeliz. Muitos
estão destinados a ler problemas porque se entregam a estas dicotomias
não-bíblicas e prejudiciais, e só aplicam seu cristianismo a certos aspectos de
suas vidas. Tais problemas são inevitáveis. Essa é a primeira coisa que vemos
aqui. Devemos compreender a grandeza do evangelho, a sua vasta e eterna
dimensão. Precisamos enfatizar muito mais as riquezas destes grandes absolutos
da doutrina, e desfrutarmos delas. Não devemos permanecer apenas nos quatro
Evangelhos; é onde começamos, mas temos de ir em frente; e quando virmos isto
em operação, e colocado dentro do seu grande contexto, compreenderemos o
verdadeiro poder do evangelho, e como a nossa vida toda deve ser governada por
ele. , Isso nos traz ao segundo ponto, o qual é que como falhamos muitas vezes
em compreender a grandeza e a amplitude da mensagem, também falhamos em
compreender que o homem deve estar envolvido nela, e por, ela, de forma total —
"viestes a obedecer de coração à forma de doutrina a que fostes
entregues". O homem é uma criatura maravilhosa; ele é mente, coração e
vontade. Estes são os três principais elementos que constituem o homem. Deus
lhe deu mente, coração e vontade pela qual ele pode agir. Ora, uma das maiores
glórias do evangelho é esta: que ele envolve o homem todo. De fato eu vou ao ponto
de afirmar que não existe outra coisa que faça o mesmo; somente este evangelho,
esta visão completa da vida, da morte e da eternidade, é suficientemente grande
para envolver o homem por completo. É devido não compreendermos isso que surgem
muitos dos nossos problemas. Nós é que somos parciais na nossa resposta a este
grande evangelho. Deixem-me sugerir alguns detalhes para confirmar e fortalecer
o meu ponto de vista. Há pessoas que parecem colocar em uso somente a cabeça —
o intelecto, o entendimento. Elas nos dizem que estão tremendamente
interessadas no evangelho como um ponto de vista, como uma filosofia cristã.
Elas estão sempre falando sobre a perspectivas cristã, ou, usando a gíria
atual, as "percepções cristã". É algo puramente filosófico, coisa inteiramente
intelectual. Eu acho que concordariam que há muitas pessoas tomando esta
posição hoje em dia. Para elas o cristianismo é um assunto de tremendo
interesse, e acreditam e proclamam que se este ponto de vista cristão fosse
aplicado na política, na indústria e em todos os outros círculos, todos os
nossos problemas seriam resolvidos. Este é o ponto de vista e atitude
inteiramente intelectual. Há outros, talvez não tantos quanto no passado, cujo
único interesse no evangelho é a teologia, a doutrina, a metafísica, os grandes
problemas, argumentos e discussões. Eu falo de dias passados, dias que se
foram. Eu não quero defendê-los, mas eles eram infinitamente preferíveis
àqueles que assumem a posição do presente acima mencionada. Havia pessoas então
cujo único interesse no evangelho era relativo a problemas teológicos, e
argumentavam e discutiam sobre eles. Suas mentes estavam muito envolvidas; este
era o seu interesse e seu passatempo intelectual. Contudo, a tragédia é que
tudo se limitava a esse interesse, e seus corações nunca tinham sido tocados.
Não havia somente a ausência da graça do Senhor Jesus Cristo nas suas vidas,
mas havia também frequentemente a ausência dos princípios elementares da
bondade humana, Aqueles homens discutiam e quase brigavam por causa cie certas
doutrinas, mas eram difíceis de serem abordados. Nunca leríamos ido a eles com
algum problema, pois teríamos sentido que eles não iriam entender nem se
compadecer. Pior ainda, a verdade pela qual tanto se interessavam não era
aplicada às suas vidas; era algo confinado aos seus gabinetes pastorais. A
verdade não modificava a sua conduta ou comportamento em nada, pois estava
confinada à mente apenas. Obviamente, mais cedo ou mais tarde, seu destino era
cair em dificuldades e em confusão. Já tiveram a oportunidade de ver um homem
desse tipo enfrentando o final da sua vida? fá o viram quando ele não pode mais
ler, ou quando está à beira da morte? Eu já vi um ou dois, e não quero ver
outro. É terrível quando o homem chega ao ponto em que sabe que vai morrer, e o
evangelho sobre o qual tanto discutiu, argumentou e até "defendeu",
parece não ajudá-lo, porque na verdade nunca se tornou parte da sua vida. Era
apenas um passatempo intelectual. No entanto há outros casos em que o evangelho
parece afetar somente o coração. Estes são mais comuns hoje em dia. São pessoas
que tiveram uma libertação emocional; passaram por uma crise emocional. Não
quero menosprezar isto, mas há um perigo muito real em ter uma experiência
unicamente emocional. Estas são pessoas que talvez tenham algum problema em
suas vidas; talvez lenham cometido algum pecado específico. Tentaram
esquecê-lo, mas não conseguiram libertar-se. Enfim ouvem uma mensagem que
parece libertá-las desse pecado, e aceitam e tudo fica bem. Mas param nesse
ponto. Queriam uma libertação desse problema em particular, e a conseguiram.
Ela pode ser obtida mediante uma apresentação incompleta do evangelho, e leva a
uma experiência parcial e incompleta. Tais pessoas tiveram uma experiência
emocional e nada mais, porque foi isso mesmo que desejaram. Ou pode ser que
essas pessoas tinham um interesse natural pelo misticismo e por fenômenos
místicos. Algumas pessoas já nascem místicas; parece que há algo diferente
nelas, algo. "do outro mundo", e elas se interessam pelo misticismo.
Há um grande interesse por esses assuntos hoje em dia; nos fenômenos psíquicos,
em experiências extra-sensoriais. Sempre houve gente interessada nesse tipo de
coisa. São místicos naturais, e sentem-se atraídos por algo que parece estar oferecendo
alguma experiência espiritual ou mística. Aproximam-se das Escrituras porque
sentem que nelas encontrarão satisfação para este desejo por tal tipo de
experiência. Procuram isso, e o encontram. E não conseguem mais nada. Ou pode
ser que certas pessoas estão nesta posição, simplesmente porque são comovidas
esteticamente pela apresentação do evangelho, pela atmosfera da igreja, pelos
vitrais coloridos, pelos monumentos, pelo ritual, pelos hinos cantados, pela
música, pelo sermão — por qualquer uma ou por todas estas coisas. A vida tem
sido dura e cruel, e elas se tornaram amargas devido às circunstâncias. Mas vão
a um certo culto, e de alguma forma sentem-se confortadas e aliviadas, e se
satisfazem e se contentam com isso. É tudo que elas queriam. Obviamente o que
estavam procurando, e não querem mais nada. Sentem-se felizes e vão embora. Entretanto,
tão certamente quanto fazem isso, um dia irão se encontrar em apuros ou numa
situação em que aquilo que obtiveram não as ajudara em nada. Algum dia terão de
enfrentar uma crise e encará-la até o fim; mas nunca aprenderam a pensar em
soluções. Elas se contentavam em viver de acordo com seus sentimentos e
emoções. Outros estão nesta posição, posição que vê um lado somente, porque
responderam a um apelo numa reunião. Eu me recordo de um grupo de pastores que
me contaram como trabalharam na sala de aconselhamento de um evangelista
famoso, em visita a este país, o qual agora é um homem idoso e aposentado do
ministério. Esses pastores perguntavam às pessoas que vinham à sala de aconselhamento
por que haviam vindo. Muitas vezes a pessoa respondia que não sabia. E os
pastores então perguntavam: "Mas você veio à sala de aconselhamento; por
que fez isso?" E a resposta era: "Eu vim porque o pregador disse que
devíamos fazer isso". Esse pregador tinha o maravilhoso e excepcional dom
de contar histórias. Sabia dramatizar, e frequentemente terminava a sua mensagem
com uma história comovente. Então fazia um apelo para que as pessoas viessem à
frente, e como numa espécie de transe, elas andavam pelos corredores até a sala
de aconselhamento, sem saber o que estavam fazendo. Estavam comovidas e
fascinadas, mas parecia não haver nenhuma concepção da verdade, não havia qualquer
relacionamento com a "forma de doutrina a que fostes entregues".
Movidos pela emoção, e por nada mais, estes indivíduos entravam na sala de aconselhamento. Ora, é inevitável que tais
pessoas, mais cedo ou mais tarde, venham a enfrentar problemas. Serão infelizes
e miseráveis, e entrarão em depressão. São as pessoas que têm algo no coração,
mas suas mentes não estão nem um pouco envolvidas, e infelizmente muitas vezes
nem mesmo a vontade foi envolvida. Elas se contentam em se alegrar emocionalmente
e em experimentar sentimentos, e não estão nem um pouco preocupadas em aplicar
a verdade em suas mentes e sua vontade. Então, finalmente, acontece a mesma
coisa com as pessoas que deixam que somente a sua vontade seja envolvida. É
possível, e infelizmente já aconteceu, que certas pessoas são persuadidas a
adotar o cristianismo. Elas afirmam que acreditam que esta é uma boa maneira de
viver, e solenemente decidem segui-la. Acho que devemos abolir este vocábulo
"decisão". Não gosto dele. Para mim, falar sobre a decisão por Cristo
parece ser uma negação do texto que estamos considerando, como vou
mostrar-lhes. O fato de alguém "tomar uma decisão" frequentemente
acontece como resultado de um apelo. Se a vontade dos homens é fartamente bombardeada,
certas vontades certamente responderão. Tomarão uma decisão porque foram chamados
para isso, porque foram pressionados a tomar uma decisão. A vontade foi
pressionada. Foi dito a eles que devem decidir, e eles decidem, porém muitas
vezes não sabem por que o fazem. E mais tarde começarão a fazer perguntas; o
diabo cuidará para que surjam perguntas em suas mentes. E descobrirão que não
têm respostas para elas. Quero resumir este ponto desta maneira: estas são as
pessoas que decidem adotar o cristianismo, em vez de serem dominadas por ele.
Elas nunca conheceram este constrangimento, este sentimento que diz: "Eu
nada posso fazer, por isso, ajuda-me, Senhor", c que tudo mais deve ser
excluído, que a verdade falou de tal maneira que elas têm de aceitá-la. É isto
que Paulo está dizendo neste capítulo. "De maneira nenhuma", ele diz.
"Do que é que vocês estão falando? Não sabem o que é verdade? Como podem
dizer: permaneceremos no pecado, para que a graça seja mais abundante? Isto
significa que vocês não sabem o que é a graça". Somente. pessoas que
entenderam a verdade desejam obedecê-la. A tragédia das outras é que nunca a
entenderam realmente. Isso, então, é a causa do problema. Quero contudo
enfatizar uma coisa. Às vezes, como já mostrei, encontramos pessoas que têm
somente uma parte da sua personalidade envolvida — somente a cabeça, o coração,
ou unicamente a vontade. Concordaremos que elas devem estar erradas. Sim, mas
sejamos claros sobre isto; também é errado envolver apenas duas partes da
personalidade. É igualmente errado envolver a mente e o coração sem a vontade;
ou a mente e a vontade sem o coração, assim como o coração e a vontade sem a
mente. Creio que é isso que o apóstolo está enfatizando. A posição cristã é
tripla; são os três juntos, os três ao mesmo tempo, e os três sempre. Um grande
evangelho como este envolve o homem por completo, e se o homem inteiro não está
envolvido, ele deve refletir novamente sobre a sua posição real.
"Obedecestes de coração à forma de doutrina a que fostes entregues".
Que evangelho! Que mensagem gloriosa! Pode satisfazer completamente o intelecto
do homem, pode comover o coração inteiramente, e pode levar a uma obediência
total de coração no domínio da vontade. Esse é o evangelho. Cristo morreu para
que pudéssemos ser homens completos, não apenas para que partes de nós pudessem
ser salvas; não para que fôssemos cristãos parciais, mas para que houvesse um
equilíbrio em nós. Todavia, não é só isso; se nos falta esta proporção, enfrentaremos
problemas mais tarde, porque o homem foi criado por Deus dessa maneira
equilibrada. Já pensou nisso alguma vez? É interessante do ponto de vista
psicológico notar como Deus colocou estes três poderes dentro de nós — a mente,
o coração e a vontade. E que poderes tremendos são eles! Talvez pensaríamos que
seria impossível coexistirem estas três forças na mesma pessoa, mas Deus fez o
homem perfeito e completo. Podemos ver isso de forma perfeita no Senhor Jesus
Cristo; e o objetivo da salvação é trazer-nos a essa perfeição, conformando-nos
à Sua imagem a tal ponto que os efeitos e os traços do pecado são removidos e
destruídos. Quero dizer uma palavra final sobre este equilíbrio. Estas coisas
devem vir sempre na ordem correta. Há uma ordem definida neste versículo, e a
ordem obviamente é esta: estas pessoas eram escravas, presas pelo pecado, e
deixaram de o ser. Por quê? O apóstolo diz que a "forma de doutrina"
veio a elas — "obedecestes de coração à forma de doutrina a que fostes
entregues". Elas viviam em escravidão. O que as libertou? A verdade foi
apresentada a elas! Não foram simplesmente comovidas emocionalmente na área do
coração; não foi meramente um apelo à vontade. Não, a verdade foi apresentada.
Devemos colocar estas coisas sempre na ordem certa, e a verdade é a primeira.
Primeiro a doutrina, primeiro o padrão de ensinamento, primeiro a mensagem do
evangelho. Não estamos preocupados somente em atrair as pessoas emocionalmente
ou na área da vontade; estamos preocupados em "pregar a Palavra". Os
apóstolos não foram enviados simplesmente para produzir resultados e mudar as
pessoas. Eles foram enviados para "pregar o evangelho", para
"pregar a verdade", para pregar e proclamar "Jesus e a
ressurreição" — esta mensagem, esta forma de doutrina, este depósito!
Estes são os termos usados no Novo Testamento, e a Igreja certamente produzirá monstruosidades
espirituais se não colocar isto em primeiro lugar. O cristão deve saber por que
ele é cristão. O cristão não é alguém que simplesmente diz que algo de
maravilhoso lhe aconteceu. De maneira nenhuma; ele está apto e pronto para
"dar uma razão sobre a esperança que está nele". Se não pode fazer
isso, deve certificar-se melhor da sua posição. O cristão sabe por que ele é o
que é, e em que pé está. A doutrina foi apresentada a ele, ele recebeu a
verdade. Ela veio à sua mente e deve sempre começar em sua mente. A verdade
chega à mente e ao entendimento iluminado pelo Espírito Santo. E depois que o
cristão compreende a verdade, ele a ama. Ela comove o seu coração. Ele vê o que
ele era, vê a vida que vinha levando, e a odeia. Se alguém enxerga a verdade
quanto à sua escravidão pelo pecado, odiará a si mesmo. Depois, ao enxergar a
gloriosa verdade sobre o amor de Cristo, ele vai querê-la, vai desejá-la. Assim
o coração é envolvido. Enxergar a verdade realmente significa que somos
comovidos por ela, que nós a amamos. Não pode ser de outra forma. Se enxergamos
a verdade com clareza, vamos senti-la. E isto leva ao passo seguinte — o nosso
maior desejo será praticar e viver a verdade. Este é todo o argumento de Paulo.
Ele diz: "A sua conversa sobre permanecer no pecado é inadmissível. Se
vocês compreendessem a sua união com Cristo, que foram plantados com Ele na
semelhança da Sua morte, e portanto ressuscitados com Ele, então jamais
pensariam em falar assim. Vocês não podem ser unidos' com Cristo e ser
"um" com Ele, e ao mesmo tempo perguntar: "Permaneceremos no
pecado?" Será que esta grande verdade me dá licença para continuar fazendo
aquelas coisas que antes eram atraentes para mim? Claro que não! É
inconcebível. O homem que sabe e acredita que ele "ressuscitou com
Cristo", inevitavelmente desejará caminhar nesta nova vida com Ele. É
assim que Paulo coloca o seu grande argumento e demonstração, e disso eu tiro a
minha conclusão final: que ao lidar com esta área, devemos compreender que
quando falamos aos outros, não devemos abordar diretamente o coração. Vou mais
adiante; a vontade também não deve ser abordada diretamente. Este é um
princípio muito importante que devemos "ter em mente, tanto no tratamento
pessoal, como na pregação. O coração deve ser influenciado sempre mediante o
entendimento — primeiro a mente, depois o coração, e em terceiro lugar a
vontade. Não temos o direito de atacar diretamente o coração dos outros, e nem
mesmo o nosso. Eu conheci homens de vida perversa que encontravam falso conforto
(para a sua própria condenação) no fato de que ainda conseguiam chorar e
comover-se emocionalmente numa reunião religiosa. Eles argumentavam: "Eu
não posso ser totalmente mau, ou então eu não reagiria desta maneira". Mas
esta é uma dedução falsa — a sua reação emotiva era produzida por eles mesmos.
Se fosse uma resposta à verdade, as suas vidas teriam sido mudadas. Não devemos
abordar nunca o coração ou a vontade do homem diretamente. A verdade é recebida
através da maior dádiva de Deus ao homem, isto é, a mente e o entendimento.
Deus criou o homem segundo a Sua própria imagem, e não há dúvida de que a parte
principal desta imagem é a mente com sua capacidade de compreender a verdade.
Deus nos deu este dom, e é através dele que Ele nos envia a verdade. No entanto,
que ninguém pense, de modo algum, que tudo termina no intelecto. Começa ali,
mas depois continua. Ele então toca o coração e finalmente o homem entrega a
sua vontade. Ele obedece sem lamentações e sem falta de vontade, e sim, de todo
o coração. A vida cristã é uma vida perfeita e gloriosa, que envolve e cativa a
personalidade inteira. Oh, que Deus nos faça cristãos equilibrados, homens e
mulheres de quem possa ser dito que estão obedecendo totalmente, de coração, à
forma de doutrina que nos foi entregue.
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